domingo, 30 de dezembro de 2012

Sumaj Inty Nan

Prosseguindo com a minha proposta de comprar CDs de músicos de rua, na semana passada eu comprei o CD "Louvores ao Senhor - volume 3", do grupo equatoriano Sumaj Inty Nan, que estava tocando na esquina da Rua Gonçalves Dias com a Rua do Rosário na hora do almoço.

Não foi fácil obter informações sobre o grupo com base no e-mail de contato apenas, por isso espero ter escrito o nome corretamente (também encontrei as grafias Sumaj Inti Nan, Sumaj Inti Ñan e Sumaj Inty Ñan). Além disso, eles tinham vários CDs diferentes, mas na hora não prestei atenção em qual estava comprando, pois meu interesse era no trabalho do grupo, e não em uma música em especial. Assim, acabei sem entender a escolha do repertório para índios equatorianos que se apresentam vestindo o que para mim, na minha total ignorância sobre as tradições e folclore do Equador, pareciam roupas típicas.

Se as músicas fossem em espanhol ou no idioma nativo deles (que, confesso, não sei qual é), eu não diria nada, pois sei que existem cristãos também entre a população indígena. O fato de serem músicas em português, no entanto, me faz pensar mais em alguém dizendo: "Pessoal, divulgar a nossa cultura e as nossas tradições é muito bacana e coisa e tal, mas a gente também precisa pagar as contas: vamos incluir no repertório também alguma coisa mais popular."

Enfim, antes hinos cristãos do que funk: as músicas escolhidas são muito bonitas e o grupo faz um bom trabalho com elas (apesar de precisarem urgentemente de alguém que faça a correção do português, cheio de erros, da capa e da contracapa). Tocar, sem voz, música que foi composta com letra e melodia é um risco, porque a melodia tende a ficar repetitiva sem a letra, mas acho que eles se saíram bastante bem tanto na escolha das músicas quanto na sua execução. Comparei algumas das músicas com os originais disponíveis no YouTube e vi que eles não se arriscaram, mantendo os arranjos originais, mas funcionou bem: o CD é muito gostoso de escutar, mesmo para mim que só conhecia a primeira música.

Vou ficar atenta para ver se os encontro de novo pela cidade, para me informar mais e, se possível, comprar um CD com músicas mais representativas do trabalho que eles mostram na rua.


Faixas preferidas:
01 - Eu Navegarei
03 - Deus É Fiel
04 - Espírito Santo
15 - Sabor de Mel

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Conhecimento Comum

Há umas três semanas atrás eu escrevi sobre teoria dos jogos, um assunto pelo qual eu tenho muito interesse, mais particularmente sobre o problema conhecido como Dilema do Prisioneiro. Naquele post eu comentei os prós e contras de cada possível estratégia, sempre considerando a premissa original de que cada prisioneiro tem que tomar sua decisão sem conhecer a decisão do outro. Partindo desta premissa, e não levando em conta nenhum outro interesse que não o interesse de cada prisioneiro em diminuir a própria pena, testemunhar contra o outro prisioneiro é a Estratégia Dominante.


Essa estratégia tem um porém. Por um lado, se o Prisioneiro A testemunhar e o Prisioneiro B ficar em silêncio, o Prisioneiro A realmente fica com a melhor solução possível, que é ser libertado; no entanto, se o Prisioneiro B também testemunhar, o Prisioneiro A fica não com a segunda melhor solução (sentença de 1 ano), e sim com a terceira melhor opção (5 anos). Assim, ao usar a estratégia dominante, um prisioneiro tem 50% de chances de ser libertado, caso o outro opte por ficar em silêncio, e 50% de chances de pegar 5 anos de cadeia, caso o outro também escolha testemunhar (e, caso os dois façam essa mesma análise da situação, é isso que vai acontecer). 

Mesmo que os dois prisioneiros pudessem se comunicar, ou se tivessem combinado previamente uma estratégia para o caso de serem capturados, seria impossível chegar a um acordo em que os dois fossem libertados. Seria possível, porém, chegar a um acordo em que ambos recebessem uma pena de 1 ano (a segunda melhor solução). Assim, ao invés de uma estratégia "cada um por si" em que cada um teria 50% de chances de conseguir a melhor solução e 50% de chances de conseguir a terceira melhor, eles poderiam escolher uma estratégia em que ambos teriam a garantia de conseguir a segunda melhor solução. Ao adotar esta estratégia de colaboração, os prisioneiros estariam trocando a possibilidade de uma solução ótima pela certeza de uma solução boa. É uma boa estratégia para quem prefere correr menos riscos, ou para situações em que os dois se importam um com o outro o suficiente para um não querer prejudicar o outro, mas não o suficiente para estarem dispostos a se sacrificar um pelo outro.

Obviamente, essa estratégia depende do quanto um prisioneiro confia no outro, já que, mesmo que eles combinem uma estratégia juntos, cada um vai cumprir (ou não) a sua parte do acordo separadamente. Mas existe um outro conceito importante de teoria dos jogos que precisa ser levado em conta ao escolher-se uma estratégia: o conceito de Conhecimento Comum.

Conhecimento comum é mais do que algo que as duas partes sabem: é algo que uma parte sabe, a outra parte também, e uma sabe que a outra sabe. No exemplo dos dois prisioneiros, mesmo um confiando no outro, para que a colaboração seja possível, é necessário que:
  1. Os dois conheçam essa estratégia e suas vantagens. Se um dos dois não souber que podem diminuir o risco adotando uma estratégia de colaboração, este vai adotar a estratégia dominante e adeus, colaboração.
  2. Cada um saiba que o outro também sabe disso. Mesmo sabendo que a estratégia de colaboração oferece menos risco, se um prisioneiro não souber que o outro também sabe disso, ele vai assumir que o outro vai adotar a estratégia dominante (testemunhar) e, para se defender, vai testemunhar também. Novamente, adeus colaboração.
Assim, para que os dois prisioneiros colaborem, é preciso que as vantagens da estratégia de colaboração sejam conhecimento comum. Caso contrário, um deles (ou ambos) vai ter que assumir o risco e torcer para o outro saber o mesmo que ele.

Espero não ter feito uma confusão danada com esse negócio de "eu sei que você sabe que eu sei que você sabe etc". Na próxima vez que eu escrever sobre teoria dos jogos, vou falar mais sobre isso.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Meus Pequenos Artistas

Mostrei aos meus sobrinhos a minha historinha publicada na Internet e eles resolveram fazer suas próprias artes também. Assim, da Tijuca para o mundo, Roberto (4 anos) e Sabrina (6 anos):

Roberto

Sabrina

sábado, 15 de dezembro de 2012

Colorama

Eu adoro o trabalho dos músicos de rua. Dou dinheiro com prazer, porque acho o máximo eu estar na rua cuidando da minha vida, indo almoçar ou voltando do trabalho, e me deparar com alguém tocando um instrumento, cantando, colorindo o cinza do Centro da cidade com música.

Dou dinheiro sem ver isso como esmola, mas como o pagamento pelo serviço prestado de tornar meu dia mais bonito e como incentivo para não desistir, se não da música como carreira, pelo menos da música como arte e como exercício para a mente e para o espírito.

Daí outro dia pensei que, já que vou dar dinheiro, posso bem desembolsar um pouco mais e comprar o CD que muitos desses artistas de rua vendem. Levo algo comigo além da satisfação de ter contribuído e ainda vejo o rosto do artista se iluminar com o reconhecimento do seu trabalho.

E é assim que estou escutando, enquanto escrevo este post, o álbum Colorama, da dupla espanhola de mesmo nome. As primeiras duas músicas que escutei não me agradaram: deixei o CD de lado, mas acabei voltando a ele mais tarde, meio por teimosia. Não sei se meu ouvido acostumou, se meu estado de espírito hoje está mais receptivo ou se só dei azar com as duas primeiras músicas, mas, embora realmente não faça muito o meu estilo, hoje estou apreciando mais as músicas.

Minha impressão é que a gaita asturiana é muito estridente para o meu ouvido e o djembe africano não é encorpado o suficiente para absorver e suavizar as arestas da melodia da gaita. (Obs. Desnecessário dizer que estou inventando esses "termos técnicos" numa tentativa de descrever a minha experiência auditiva, né?). As faixas das quais mais gostei são justamente aquelas em que a melodia chega a notas um pouco mais graves (não muito mais graves, porque não dá mesmo) e o djembe está mais presente. Ainda acho que o trabalho deles se beneficiaria de mais um ou dois instrumentos para fazer um contraponto à dureza da gaita asturiana.

De qualquer modo, as músicas me parecem bem executadas: se estão fugindo da melodia original, não tenho como saber, mas em nenhum momento escutei aquela desafinação dissonante que fere o ouvido.

Na última faixa (Roxu), a gaita foi substituída por um instrumento não identificado mas definitivamente da família das flautas que foi uma surpresa muito bem-vinda. Só lamento não ter tido a oportunidade de escutar esse instrumento junto com a gaita: poderia, talvez, ser aquele instrumento cuja falta eu senti nas outras faixas para equilibrar a estridência da gaita asturiana.


Faixas preferidas:
4 - La Gaita num la viendo
5 - Entermedios y Marcha (particularmente a segunda parte)
11 - Roxu

domingo, 9 de dezembro de 2012

Fazendo Arte

Na semana passada, no dia em que o Niemeyer morreu, um amigo meu postou no Facebook dizendo que queria fazer uma homenagem no blog dele: tinha uma ideia pra uma tirinha, mas precisava de alguém que desenhasse.

E eu, que estou em plena crise existencial de "não consigo ver o fruto do meu trabalho e não estou tendo oportunidade de agregar valor", consegui resistir por 40 minutos, talvez, desde a hora em que vi o post até a hora em que respondi, por fora muito blasé, mas, por dentro, balançando a mão no ar e gritando "me escolhe, me escolhe!".

O Leo, meu amigo e dono do blog em questão, cujo link estou colocando mas cujo nome não vou escrever aqui porque, Leo, te adoro, mas TENHO VERGONHA DE MENCIONAR O NOME DO SEU BLOG #prontofalei... Enfim, o Leo me mandou o roteiro da tirinha, eu comprei canetas novas especialmente para a tarefa me sentindo "a" cartunista profissional e, muitos esboços depois, mandei pra ele à meia-noite o resultado dos meus esforços. Com o coração na mão, claro! Quando escrevi no e-mail que, se ele detestasse e preferisse abortar o projeto, não haveria estresse entre nós, estava sendo 100% sincera, mas daí a eu não me importar de ver meu primeiro "filho" ser rejeitado vai uma distância enorme!


Felizmente, não precisei exercitar minha maturidade e auto-controle neste caso (não tenho muito de nenhum dos dois, então é sempre bom economizar), porque o Leo gostou, agradeceu muito, elogiou e publicou na mesma hora.

E eu não sei se haverá outros depois desse ou se minha carreira de desenhista começou e acabou aqui, mas foi muito gostoso ver meu trabalho elogiado e publicado e, bom... as canetas agora eu já tenho, né?

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O Dilema do Prisioneiro

Eu acho teoria dos jogos um assunto fascinante. Tive meu primeiro contato com o assunto através de um livro cujo nome agora me escapa, porque a história em si não me causou muita impressão. O livro era de ficção, mas tinha uma cena logo no início em que um dos personagens explicava para o outro o Dilema do Prisioneiro, e foi o suficiente para eu me interessar pelo assunto. A teoria dos jogos é utilizada na análise de situações estratégicas em que os participantes têm que escolher um dentre vários possíveis cursos de ação e tomar decisões tentando chegar ao melhor resultado possível. Ou seja, praticamente qualquer situação com mais de um participante envolvido. O termo "jogo", nesse caso, se refere não a uma atividade recreativa e sim a qualquer situação em que um indivíduo tem que tomar decisões sabendo que suas escolhas irão influenciar um resultado final mais ou menos favorável para ele (inclusive, claro, jogos recreativos).

Alguns anos depois, eu descobri o Open Yale Courses. A Universidade de Yale disponibiliza online vários cursos super interessantes e entre eles, pra minha alegria, um de Teoria dos Jogos oferecido pelo Departamento de Economia. Trata-se de cursos que são presenciais para os alunos da universidade e que são disponibilizados de forma gratuita para o público em geral no site da universidade. Apesar de não darem direito a nenhum tipo de certificado ou crédito para os alunos ouvintes, os cursos são ministrados levando em conta o público online: o professor sabe que existe gente assistindo o curso à distância e dá todo o curso se dirigindo a essas pessoas tanto quanto aos alunos presentes em sala de aula. É possível assistir (e baixar) todas as aulas (vídeo, áudio, transcrições das aulas e todo o material escrito fornecido para os alunos do curso presencial): até o que o professor escreve no quadro é fotografado e disponibilizado de forma organizada para os alunos ouvintes. A única coisa que não dá pra fazer é tirar dúvidas com o professor ou entregar os trabalhos para avaliação.

Enfim, voltando ao Dilema do Prisioneiro. A representação clássica desse problema é a seguinte:

Existem dois prisioneiros: Prisioneiro A e Prisioneiro B. Eles são colocados em celas separadas e sem possibilidade de comunicação um com o outro, e a ambos é oferecido o mesmo acordo: se um deles testemunhar contra o outro e o outro permanecer calado, o que testemunhou será libertado e o que ficou em silêncio será condenado a 10 anos de cadeia. Se os dois ficarem em silêncio, cada um será condenado a 1 ano de cadeia. Se ambos testemunharem um contra o outro, cada um será condenado a 5 anos de cadeia. Como os prisioneiros estão incomunicáveis, cada um vai ter que tomar a sua decisão sem saber qual a decisão que o outro vai tomar, daí o dilema. Os números podem variar, mas a ideia, essencialmente, é esta:


Analisando o problema de forma 100% egoísta, o Prisioneiro A pensa: "Cinco anos é melhor do que dez, e ser libertado é melhor do que um ano. Independente do que o Prisioneiro B faça, a melhor opção para mim é testemunhar contra ele." Em teoria dos jogos, diz-se que, neste caso, testemunhar contra o outro prisioneiro é a Estratégia Dominante.

Estratégia dominante é aquela que trará o melhor resultado para quem a adotar, independente do que a outra parte faça. Neste caso, se B testemunhar contra A, A vai obter um resultado melhor se testemunhar contra ele (5 anos de cadeia ao invés de 10) e, se B ficar calado, A também vai obter um resultado melhor testemunhando contra ele (ser libertado ao invés de pegar 1 ano de cadeia). E a recíproca é verdadeira: quer A testemunhe contra B, quer fique calado, B obterá um resultado melhor testemunhando contra ele. Desta forma, um testemunha contra o outro e ambos pegam 5 anos de cadeia cada um.

Para determinar que uma estratégia é a estratégia dominante, no entanto, é essencial definir o que é significa "melhor resultado" para o jogador. Se estivermos simplesmente comparando números (5 < 10 e 0 < 1), testemunhar contra o outro prisioneiro é sem dúvida a estratégia dominante, mas, ao aplicar esse problema ao mundo real, outras variáveis são introduzidas.

A análise inicial do problema foi feita considerando que a única preocupação de cada prisioneiro é receber a pena mais curta possível ou, de preferência, ser libertado imediatamente: as implicações dessa estratégia para o outro prisioneiro são irrelevantes. Neste caso, testemunhar contra outro prisioneiro é sem dúvida a estratégia dominante. Quantificando os resultados, temos:


Agora, se incluirmos na equação o peso de testemunhar contra outra pessoa, sabendo que isso fará com que ela vá para a cadeia, os resultados mudam.

Se, para o Prisioneiro A, a ideia de se beneficiar prejudicando o Prisioneiro B causa muita angústia e sentimento de culpa, a pontuação da estratégia "testemunhar contra o outro" diminui, pois a culpa por aumentar a pena do outro diminui a satisfação de diminuir a própria pena. Se a culpa neste caso valer 10 pontos negativos, a estratégia dominante para o Prisioneiro A passa a ser ficar em silêncio: a indulgência prometida por colaborar com a polícia não compensa a culpa que ele vai sentir por ter prejudicado o Prisioneiro B.


No outro extremo do espectro, temos o Prisioneiro B com tanta raiva do Prisioneiro A que o fato de estar aumentando a sua sentença é um bônus na satisfação de estar diminuindo a própria. Com isso, a pontuação da estratégia "testemunhar contra o outro" aumenta. No exemplo abaixo, a satisfação por prejudicar o outro vale 5 pontos.


Outros aspectos cruciais a considerar são as interações futuras entre os prisioneiros (um dia o prisioneiro que pegou a pena maior vai sair da cadeia e encontrar aquele que o entregou) e como a decisão de testemunhar ou não contra outro prisioneiro vai influenciar a reputação de cada um. Às vezes vale a pena abrir mão de uma vantagem imediata para ganhar a confiança e/ou o respeito da outra parte, tornando mais fáceis as interações futuras. Quando um vendedor alerta o cliente que o produto que ele está prestes a comprar tem um similar mais barato e igualmente eficaz, ele está diminuindo a sua comissão na venda atual, mas pode estar garantindo comissões futuras se a sua honestidade servir para fidelizar o cliente. Por outro lado, a fidelização do cliente pode ter uma pontuação baixa se comparada com a comissão da venda atual se o vendedor estiver com a corda no pescoço para atingir a meta de vendas do mês.

O importante é entender que, para tomar uma decisão, saber quais serão as consequências de cada possível estratégia é essencial, mas não mais essencial do que saber qual é a "pontuação" de cada alternativa para o jogador. O que para uma pessoa é um preço alto demais para pagar, para outra é um sacrifício que vale a pena e vice-versa.

Quando eu tiver paciência de escrever mais sobre o assunto, vou continuar esse post falando sobre colaboração.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A Porta - Curso Básico

Você já reparou que na entrada da maioria dos cômodos existe uma peça, normalmente de madeira, presa por dobradiças e que, dependendo da sua posição em relação à entrada, pode permitir ou impedir o acesso ao cômodo?

(  ) Sim.
(  ) Não.

Se você respondeu "Sim", parabéns! Você sabe o que é uma porta! Se você respondeu "Não", não desanime! Você só precisa concluir o curso de nivelamento antes de poder fazer este curso. Dirija-se à secretaria para fazer a sua inscrição: é a segunda porta à direit... Pensando bem, deixa pra lá: senta aí que assim que eu terminar essa aula eu te levo lá.

A porta pode estar em um dos seguintes estados:
  • Aberta
  • Fechada

Ao contrário do que muitos pensam, e por favor anotem porque esta parte é importante e CAI NA PROVA, não existem outros estados além dos dois citados. Aquilo que muitos consideram como outros estados (entreaberta, encostada, quase fechada, e mesmo o popular "segurando a porta enquanto bate papo com a amiga") são apenas variações do estado Aberta. Repitam, todos, comigo agora: "Se a porta não está Fechada, com direito a girada de maçaneta, ela está Aberta". E, se a porta em questão é a porta do banheiro da empresa, isso quer dizer que todo mundo que passa pelo corredor vê quem está dentro do banheiro. Agora, isso talvez seja um choque para aqueles dentre vocês que foram criados por orangotangos, mas a maioria das pessoas prefere escovar os dentes, passar fio dental, ajeitar a alça do sutiã que está aparecendo, retocar a maquiagem etc sem precisar fazer contato visual com os colegas de trabalho que passam pelo corredor em direção ao banheiro masculino.

Avaliação final do curso:
1. Após passar pela porta do banheiro da empresa (entrando ou saindo), em que estado você deve deixar a porta?
a) Aberta.
b) Fechada.
c) Aberta, porque eu só vou ali rapidinho e já volto.
d) Tanto faz, eu já saí do banheiro mesmo, dane-se o resto da humanidade.

Se você marcou a resposta (b), parabéns, você passou. Se você marcou qualquer outra resposta, por favor, passe a usar somente o banheiro do McDonald's ali da esquina.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Acumuladores de Jogos

Eu gosto muito de um jogo para tablet chamado "Draw Something". Pra quem não conhece, é um jogo tipo "Imagem e Ação" (pra quem não conhece "Imagem a Ação", não sei de que planeta você veio, mas lá deve ser muito chato). A principal diferença é que, ao contrário de "Imagem e Ação", em "Draw Something" não há adversários: se a pessoa com quem eu estou jogando adivinha o que eu desenhei, ambos ganhamos pontos.


Como se está jogando com (e não contra) outra pessoa, o grande barato do jogo não é o prazer de vencer o outro, e sim o desafio de desenhar coisas às vezes bem difíceis de representar (particularmente para quem, como eu, joga no celular) e a diversão de ver qual foi a solução que o seu parceiro de jogo arrumou pro desafio dele.


A única coisa que a gente ganha no jogo são "moedas" que podem ser usadas para duas coisas:
  • comprar mais cores para usar nos desenhos (o pacote inicial vem só com quatro cores: preto, azul, vermelho e amarelo)
  • comprar categorias especiais de palavras que, se adivinhadas, valem mais "moedas"
Ou seja: a única coisa que você ganha ao adivinhar uma palavra ou quando a sua palavra é adivinhada é a oportunidade de... desenhar mais palavras!


E pra mim, está ótimo: me divirto montes com o joguinho. O que eu não consigo entender são pessoas que, ao invés de desenhar, escrevem a palavra que eu deveria adivinhar. Pra quê?? Não sei nem se dá pra chamar isso de roubar, porque de quem essa pessoa estaria roubando? De mim não é, já que eu vou ganhar tantos pontos quanto ela por "adivinhar" a palavra que ela está escrevendo. Eu poderia, talvez, dizer que a pessoa está roubando do jogo em si, mas a única coisa que ela ganha são mais palavras pra desenhar e mais cores para desenhá-las. Então, se ela não vai desenhar mesmo, qual é o objetivo?


Pra mim, essas pessoas são um tipo de acumulador (aquele pessoal que não consegue jogar as coisas fora e acaba ficando com a casa entulhada de lixo). Eles simplesmente querem acumular o maior número possível de moedas, mesmo sem saber pra que querem todas essas moedas.


Eu, normalmente, dou uma chance pra essa galera: não "adivinho" a palavra que eles escreveram, mas mando uma mensagem explicando que só jogo com imagens (apesar da vontade de dizer, bem na lata, que o jogo se chama "Draw Something", e não "Write Something"). Alguns se tocam e passam a me mandar só desenhos. Os que insistem em mandar palavras eu excluo. Nas palavras do imortal filósofo: "Não sabe brincar, sai da brincadeira e dá o lugar pro amigo."

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Coisas Que as Pessoas Nos Dizem

Quando eu fiz 15 anos ganhei do meu tio um livro chamado "O Valor das Pequenas Coisas". Não me lembro de muita coisa do livro, mas ainda sei praticamente de cabeça um trecho que citava o livro "O Profeta", do poeta libanês Khalil Gibran. Não confiando 100% na minha memória e com preguiça de ir lá fora pegar uma escada para procurar o livro no alto do armário, copio também o texto original, disponível no site http://leb.net/gibran/main.html (pra minha sorte, esse foi um dos livros que ele escreveu originalmente em inglês).
"You have been told also life is darkness, and in your weariness you echo what was said by the weary.
And I say that life is indeed darkness save when there is urge,
And all urge is blind save when there is knowledge,
And all knowledge is vain save when there is work,
And all work is empty save when there is love;
And when you work with love you bind yourself to yourself, and to one another, and to God."
"Disseram-vos também que a vida é escuridão e, no vosso cansaço, repetis aquilo que os cansados vos disseram.
E eu digo que a vida realmente é escuridão a não ser que haja impulso,
E todo impulso é cego a não ser que haja conhecimento,
E todo conhecimento é vão a não ser que haja trabalho,
E todo trabalho é vazio a não ser que haja amor;
Pois quando trabalhais com amor, vós vos unis a vós mesmos, e uns aos outros e a Deus."
De todas as verdades colocadas de forma tão bonita pelo poeta nesse trecho, a que mais me toca é essa primeira linha: "Disseram-vos também que a vida é escuridão e, no vosso cansaço, repetis aquilo que os cansados vos disseram." A vida pode não ser sempre escuridão, mas também não é sempre um domingo de sol; é natural ficar cansado, exausto, mesmo, às vezes. E, quanto mais cansados estamos, mais vulneráveis ficamos à propaganda negativa, e nos pegamos repetindo o que dizem aquelas pessoas que, por ignorância ou por mesquinharia, estão mais interessadas na escuridão do que na luz.

Eu acredito que isso seja, em parte pelo menos, uma forma de auto-justificativa. Se todas as empresas pagam mal e exploram seus funcionários, faz sentido eu estar há dez anos nesse emprego que odeio. Se todos os casamentos são infelizes, não há motivo para eu me esforçar pra melhorar o meu. Se as pessoas que fazem aquilo que me falta coragem ou força de vontade para fazer são extremistas, fanáticas, criadoras de caso, a minha covardia se torna jogo de cintura e a minha acomodação se torna sensatez.

E que haja pessoas que se escondam por trás dessas falácias e as chamem de realismo e de bom senso já é ruim o suficiente, mas o pior é que às vezes, no nosso cansaço, repetimos o que os cansados nos disseram. E acreditamos que somos exagerados, que fazemos tempestade em copo d'água, que nossas expectativas são pouco realistas.

O Oswaldo Montenegro tem uma música chamada "Vagalume" que é... meio sem pé nem cabeça, como a maioria das músicas dele, mas que tem um verso do qual eu gosto muito, que diz que "meus amigos separados me falaram que o amor anda mal". É, pode ser. Mas meus amigos bem casados me falaram que o amor vai muito bem, obrigado. Que dá um trabalho que só Deus sabe, mas vale a pena.

Falar, sempre vai ter quem fale. Alguns vão falar coisas que vale a pena ponderar, outros vão fazer de tudo pra arrastar todo mundo para o mesmo buraco em que eles estão, outros ainda vão falar qualquer bobagem só pelo prazer de escutar a própria voz. E a gente vai se esforçando, apesar do cansaço, para distinguir uns dos outros e para escutar quem tem que ser escutado e ignorar quem tem que ser ignorado.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Flashes de Uma Psicose

Estou assistindo "Flashes de Uma Psicose". Obviamente, os primeiros 15 minutos de filme não foram muito promissores, ou eu não estaria escrevendo no blog enquanto assisto. Dizem que, se os personagens de filmes de terror tivessem bom senso, os filmes acabariam em 10 minutos e não teriam a menor graça, mas a protagonista deste filme em particular acordou de manhã e pensou: "Eu vou viver um filme de terror e nada nem ninguém vai me impedir.". Dá até pra imaginar ela conferindo os itens na lista de preparativos. Viajar sozinha para um local isolado para terminar de escrever um roteiro... Confere. Mansão deserta oferecida por um conhecido... Confere. Pedir para a amiga que veio junto levar o carro de volta com ela e ficar sem nenhum meio de locomoção na mansão deserta no meio do nada... Confere. Eu prefiro acreditar que ela está fazendo de propósito porque faz muito mais sentido.

Apesar do nome, o filme aparentemente é de suspense sobrenatural e não psicológico, pois já apareceu o tradicional rosto sinistro no espelho do banheiro na hora em que a protagonista (Alice, não porque eu me importe, mas porque é mais curto pra digitar) vira as costas. Aparentemente também tem um ex violento que acaba de sair da prisão envolvido, então mais cedo ou mais tarde ele vai dar um jeito de aparecer (e morrer).

Como a Alice está realmente decidida a protagonizar um filme de terror, ela percebe um movimento na casa teoricamente deserta, encontra um rastro de pegadas molhadas e faz o que qualquer pessoa sensata faria: segue as pegadas até o sótão. Chegando lá, ela não encontra o dono das pegadas, mas começa a explorar o sótão e esquece completamente das pegadas molhadas na casa onde em tese só está ela (e, possivelmente, o ex violento recém-saído da prisão). Óbvio.

E, sério, vultos vistos de relance e pegadas molhadas são coisas tão comuns em casas velhas quanto madeira estalando e janelas batendo com o vento, porque a Alice desce do sótão pra assistir umas fitas que achou no sótão (gravadas pelo morador anterior, aparentemente, filmando o dia a dia dele com a esposa), aproveita o embalo pra rever umas fitas dela mesma com a amiga (que aparentemente também é namorada) e se prepara pra passar mais uma noite na mansão deserta na qual aparecem pegadas molhadas sem explicação aparente.

Aos poucos (beeeeeeeem aos poucos) ela começa a perceber que tem alguma coisa errada. Quando escuta um barulho no meio da noite e encontra a banheira transbordando, com o ralo tampado e a torneira aberta no banheiro da mansão deserta na qual aparecem pegadas molhadas sem explicação, ela faz uma cara preocupada, fecha a torneira e tira a tampa do ralo. Quando sai do banheiro e encontra o notebook ligado com "HE WON'T LET ME LEAVE" escrito na tela toda em um cômodo da mansão deserta na qual aparecem pegadas molhadas e a banheira se enche sozinha, ela faz uma cara ligeiramente mais preocupada e tenta destravar a tela do notebook. Quando escuta um piano sendo tocado no cômodo ao lado, ela vai investigar o outro cômodo da mansão deserta na qual aparecem pegadas molhadas, a banheira se enche sozinha e mensagens assustadoras aparecem na tela do notebook. Chegando lá, a música pára sozinha e Alice, começando a parecer assustada, abaixa a tampa do piano e se vira quando vê de relance, pelo espelho, um vulto atrás dela.

Ela pega o telefone e liga para a amiga/namorada/eu devia ter anotado o nome. E aí vem o diálogo mais fantástico que já aconteceu em uma mansão deserta na qual aparecem pegadas molhadas, a banheira se enche sozinha, mensagens assustadoras aparecem na tela do notebook, o piano toca sozinho e vultos aparecem no espelho.

Amiga/namorada/eu devia ter anotado o nome: "Alô?"
Alice: "Sou eu."
Amiga (etc): "Alice, são 4 da madrugada, eu achei que alguém tivesse morrido!..."
Alice: "Eu precisava ouvir a sua voz."
Amiga (etc): "Há alguma coisa errada?"
Alice: "Eu não sei."

Eu não sei. Eu não sei. Eu não sei.

Alice, querida. Você está (teoricamente) sozinha em uma mansão no meio do nada. Você encontrou uma trilha de pegadas molhadas indo até o sótão. A banheira se encheu sozinha no meio da noite. O piano começou a tocar sozinho. Você tem visto vultos pela casa. Está escrito "ELE NÃO ME DEIXA IR EMBORA" em toda a tela do seu notebook em letras que escorrem tela abaixo como se tivessem sido escritas com sangue. Leia meus lábios: Tem. Alguma coisa. Errada.

Daí ela fica sentada no chão, chorando no telefone com a Becky (isso estava ficando chato, então eu procurei o nome no IMDB) que tem alguém na casa, que alguém morreu ali e tem toda essa energia negativa, essa tristeza, blá blá blá, e sair da casa que é bom, nada.

A Becky não acredita nela (bom, são 4 horas da madrugada e a mulher está falando sobre fantasmas, não dá pra culpá-la) mas dá um conselho sensato: ligar para um táxi e sair de lá. Ainda acrescenta que a Alice pode ir pra casa dela, o que é bastante generoso pra alguém que foi acordada às quatro horas da madrugada por uma maluca que parou de tomar seus remédios e agora está falando sobre fantasmas.

Claro que a Alice não faz isso e diz que vai tomar o remédio e trabalhar no roteiro. De repente ela não está mais com medo, toma o remédio e assiste mais uma fitas com a Lucy (a esposa do morador anterior), e a gravação se mistura com um flashback (já que ele está filmando, mas também aparece na cena). Não sei o quanto a Alice vê, mas a audiência vê o suficiente pra perceber que o marido (David) é obcecado por ela e ela tem medo dele. E ela está grávida (geralmente as mulheres estão grávidas nesses filmes).

Mais fitas (trabalhar no roteiro que é bom, nada, né, Alice?), marido filma esposa dormindo, marido controla os telefonemas da esposa, pesadelos, o telefone que toca mas não tem ninguém na linha quando a Alice atende (provavelmente o ex recém saído da prisão que ainda vai aparecer pros seus 5 minutos de cena).

E aí, claro, a cena climática em que a mulher burra que quer abandonar o marido de quem tem medo tenta sair de mala e cuia ao invés de sair de fininho e mandar alguém buscar as coisas dela depois. A fita acaba na hora em que o David avança pra cima da Lucy e a Alice vai pro sótão pra... procurar a próxima fita? Claro que não, isso seria idiota: ela vai vestir a roupa e as jóias da Lucy e colocar a maquiagem dela. Aparentemente as duas têm muito em comum: maridos ciumentos e violentos que as afogaram grávidas na banheira (bom, o marido da Alice só tentou, mas ela perdeu o bebê em consequência disso, então acho que é parecido o suficiente) e o hábito de tomar péssimas decisões em momentos de crise.

A Alice acha a última fita, já que o David muito convenientemente gravou o assassinato, o enterro do corpo no quintal e o seu próprio suicídio, o que torna um pouco estranho o fato de que 3 anos depois ele e a Lucy ainda são considerados desaparecidos. Imagino que, quando a mãe do David registrou os desaparecimentos, a polícia veio até a casa, tocou a campainha, esperou um pouco, deu de ombros e disse: "É, parece que eles desapareceram mesmo.".

A Alice vai até o local onde o corpo da Lucy está enterrado (mas, felizmente, não desenterra o corpo, eca!) e recebe um telefonema do ex que só quer pedir perdão e dizer que vai deixá-la em paz. De onde está a Alice vê uma silhueta passar pela janela dentro da casa e acusa o ex de ainda a estar perseguindo, mas ele garante que está na casa da mãe em outra cidade e ela acredita porque, puxa vida, o cara pediu perdão, né? Não é como se ele alguma vez tivesse demonstrado sinais de instabilidade e comportamento violento e... ah, é.

Enfim, a Alice chora de alívio e diz "Lucy, estamos livres", mas isso não parece deixar a Lucy muito entusiasmada, porque, sabe como é, morta há 3 anos e coisa e tal. A Alice volta pra casa, assiste o fim da fita do suicídio e descobre que... Surpresa! A mãe do David chegou a tempo de salvá-lo (mas, aparentemente, não de convencê-lo a dar sumiço nas fitas incriminadoras). Nessa hora, o David aparece (Porque ele... passou os últimos 3 anos escondido na casa? Se escondendo quando a faxineira vinha, já que a casa estava impecável quando a Alice chegou?), vê a Alice com as roupas da Lucy e, claro, acha que ela é a Lucy.

A Alice corre pro andar de cima, procura por uma arma que aparentemente ela esperava que estivesse na sua mala (eu poderia fazer uma piada sobre pessoas que demoram pra desfazer as malas, mas no meu caso seria hipocrisia), liga pra Becky pra saber cadê a arma e aparentemente a Becky não fala com ela há uma semana, então as outras conversas por telefone foram delírios da Alice? Mas peraí, ela está na casa há uma semana? Eu dormi durante algumas partes desse filme?

Antes que dê para esclarecer alguma coisa, o David alcança a Alice e a arrasta para o banheiro para afogar a "Lucy" de novo, sempre de câmera na mão, porque a única coisa mais legal do que evidência incriminadora de um homicídio é evidência incriminadora de dois homicídios. Mas na hora H o (fantasma? zumbi?) da Lucy "de verdade" aparece e o David vai recuando até cair por cima do corrimão do corredor e se estabacar lá embaixo, no primeiro andar. E, se fosse a Alice que tivesse empurrado, em qualquer filme de terror ele ainda ia ter forças pra se arrastar atrás dela mais um pouco, talvez aparecer pro susto final antes de a cavalaria chegar, mas mortes causadas por fantasmas e afins são sempre mais eficientes, então ele só fica lá caído e morto enquanto a Lucy volta para o banheiro já sem cara de zumbi e destampa o ralo da banheira para a Alice não se afogar. 

Musiquinha de encerramento, a Becky chega, tira a Alice da banheira, coloca ela na cama e encontra o roteiro (no qual, aparentemente, a Alice teve tempo de trabalhar, afinal de contas), contando toda a história do filme até esse ponto. Desde a chegada da Alice até o David e o fantasma da Lucy. Daí ela sai do quarto, desce a escada e encontra uma câmera no pé da escada e... descobre que a Becky a filmou dormindo do mesmo modo que o David filmava a Lucy. E é isso, acabou o filme. Quer dizer que era mesmo um suspense psicológico então? Tudo aconteceu na imaginação da Alice? E, como ela passou o filme inteiro sozinha (com exceção dos 10 minutos iniciais e dos 10 minutos finais), quer dizer que nada, nada disso aconteceu, nada precisa fazer sentido, porque foi tudo um delírio? E aquele rosto assustador que apareceu  no espelho na hora em que ela não estava olhando foi... foi...

Filme idiota.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Qualquer Semelhança É Mera Coincidência

Já virou lugar comum dizer que o livro era melhor que o filme. Pela minha experiência, normalmente é, não porque uma arte seja superior à outra, mas porque normalmente o livro vem antes, e uma história que foi escrita visando uma mídia dificilmente será traduzida para outra sem perder nada da intenção original do autor. Não é qualquer ator que consegue, ao representar um homem que receia que a esposa de 50 anos de casados não chegue a tempo ao local onde ele agoniza, transmitir para o público a mensagem de que as suas lágrimas são não de dor física ou de medo de morrer e sim da "dor que jamais se repetiria de morrer sem ela". ("Amor Nos Tempos do Cólera", Gabriel García Márquez). Por outro lado, como causar com palavras o mesmo efeito que a visão da silhueta das bicicletas recortadas contra a lua tem em "E.T. - O Extra-Terrestre"?

Enfim, o fato é que é filmes baseados em livros são muito comuns. Alguns são bons, outros são ruins, muitos são uma decepção para quem já leu o livro. O que eu não consigo entender são alguns filmes que se anunciam como sendo baseados nos livros de mesmo nome mas que não têm praticamente nada em comum com eles. Não é que a história esteja contada de forma superficial ou que faltem as tramas paralelas que enriqueciam o original. Simplesmente é outra história.

ATENÇÃO: Mega spoiler alert para "Eu Sou a Lenda", "Como Fazer Inimigos e Alienar Pessoas" (título do filme no Brasil: "Um Louco Apaixonado") e "Compramos Um Zoológico".

"Eu Sou a Lenda"
Eu vi o filme protagonizado pelo Will Smith quando passou no cinema e gostei muito (e me acabei de chorar quando ele precisou sacrificar a cadela). Quando, anos mais tarde, eu li o livro homônimo de Richard Matteson no qual o filme supostamente se baseia,  o fato de que o filme não tem nada a ver com livro não me fez gostar menos nem de um, nem de outro. Mas o fato é que, no livro, o personagem que o Will Smith interpreta no filme não é militar, não é médico, não tem filha, não descobre a cura para a doença, não encontra mais nenhum sobrevivente, não tem uma cachorra (ele chega a encontrar um cachorro abandonado que ele tenta acolher, mas que morre de ferimentos e de fraqueza poucos dias depois). A única "pessoa" que ele encontra é, na verdade, uma vampira enviada para espioná-lo e entregá-lo aos outros vampiros. É, embora exista uma doença que está transformando todas as pessoas naquelas coisas bizarras, existem também vampiros "puro-sangue" sem nenhuma relação com a doença que estão aproveitando o apocalipse para herdar a terra. Para eles, o personagem do Will Smith é que é o monstro que sai de noite para perseguir e matar o povo deles. A frase "Eu sou a lenda" é a conclusão a que ele chega depois de ser capturado pelos vampiros, enquanto espera pela sua execução pública. Os papéis se inverteram e, na visão dos vampiros, ele é o monstro que aterroriza o povoado.

"Um Louco Apaixonado" (baseado no livro "Como Fazer Inimigos e Alienar Pessoas")
Quando eu fui assistir "Um Louco Apaixonado", tinha duas opções de filme começando mais ou menos no mesmo horário: um era "Ele Não Está Tão a Fim de Você" e outro era "Um Louco Apaixonado". Eu não escolhi "Ele Não Está Tão a Fim de Você" especificamente porque eu NÃO estava a fim de assistir uma comédia romântica. Apesar do título em português, "Um Louco Apaixonado" era (em teoria) baseado no livro "Como Fazer Inimigos e Alienar Pessoas", do jornalista inglês Toby Young. O título original do filme é o mesmo do livro ("How to Lose Friends & Alienate People"), e o livro não é uma comédia romântica: é uma crítica feroz à sociedade americana e ao culto às celebridades. O Toby Young não fez sucesso em Nova York: ele foi demitido da Vanity Fair um ano depois de chegar lá e durante muito tempo continuou usando um passe de imprensa expirado da Vanity Fair para entrar de penetra nas festas. Ele não se apaixonou por uma jornalista americana que trabalhava na mesma revista que ele: ele namorou uma advogada inglesa que estava morando nos Estados Unidos, foi largado por ela e eles só voltaram (e mais tarde se casaram) anos depois, e, ao contrário do filme, o livro não gira em torno disso. Ele deu muitos vexames em Nova York (contados em detalhes por ele mesmo no livro), mas não se engalfinhou com uma atriz indicada ao Oscar ao vivo na cerimônia de entrega para tomar de volta o anel da mãe dele. E o que me deixa perplexa é que o livro foi escrito pelo Toby Young: é um relato em primeira pessoa da experiência dele nos Estados Unidos. É a vida dele que ele deixou transformarem num filme em que a esposa e mãe dos quatro filhos dele não existe e ele deu de presente uma herança de família numa tentativa de convencer uma atriz qualquer a dormir com ele.

"Compramos Um Zoológico"
Outra história real narrada em primeira pessoa pelo protagonista. O filme protagonizado pelo Matt Damon não foi produzido pela Disney, mas poderia ter sido. Tem todos os elementos de um típico "filme para a família": o viúvo que precisa superar o luto e reconstruir sua vida, o adolescente que descobre o amor, o pai e o filho adolescente que superam seus conflitos e se reaproximam, o vilão tentando impedir que eles realizem seu sonho de reabrir o zoológico. Já o livro de mesmo nome escrito por Benjamin Mee (o pai em questão) é um livro excelente, mas para adultos. Fala não só dos animais (claro que fala dos animais, é um livro sobre um zoológico!) mas também das negociações com bancos, das obras para recuperar as instalações, da contratação dos novos funcionários e da adaptação dos antigos... Fala da doença da esposa, Katherine, que só morreu um ano depois de eles terem se mudado para o zoológico, e da participação do resto da família no empreendimento, especialmente da mãe de Benjamin e do seu irmão Duncan, que também se mudaram para o zoológico e se empenharam na sua restauração tanto quanto Benjamin. No fim do livro, o próprio Benjamin comenta, a respeito de um documentário em capítulos que foi filmado no zoológico mostrando o trabalho de restauração: "Preocupava-me um pouco o fato de a série de TV ter se chamado Ben's Zoo, em grande medida porque este não foi, de modo nenhum, o esforço de uma única pessoa." No entanto, a participação dessas e de muitas outras pessoas é diminuída ou simplesmente omitida no filme. Eu comprei o livro depois que o filme já tinha sido lançado e, como costuma acontecer nesses casos, foi lançada uma nova edição do livro com a capa original substituída por uma foto promocional do filme. E é muito esquisito, porque a maioria dessas pessoas que está na foto da capa desse livro autobiográfico não existe! Não existe Dylan, o filho adolescente: existe um filho chamado Milo, que tinha cerca de 6 anos na época em que o zoológico foi comprado e obviamente não se apaixonou pela personagem da Elle Fanning, que também nunca existiu. Não existe nenhum adolescente no livro. A filha não se chama Rosie, e sim Ella, e tinha na mesma época cerca de 4 anos, uns 3 anos a menos do que a personagem do filme.  A cena lacrimosa em que o Benjamin finalmente concorda em colocar o tigre Spar para dormir nunca aconteceu: em todo o período desde a compra do zoológico até a obtenção da licença e reabertura para o público, os únicos animais sacrificados foram algumas aves. A cena da fuga das cobras não aconteceu, mas um jaguar fugiu e foi recapturado na área dos tigres, e uma tigresa causou um tumulto ao acordar da anestesia antes da hora fora da sua jaula.

O que me impressiona nesses três casos é que os roteiristas poderiam perfeitamente ter mudado o título do filme e o nome dos personagens e feito o seu filme em paz sem precisar pagar direitos autorais para o autor do livro. Para que se dar ao trabalhar de acrescentar "Baseado no livro homônimo de Fulano de Tal" ao currículo do seu filme se a sua intenção é escrever a sua própria história, com os seus próprios personagens? Deve haver um raciocínio muito genial por trás disso que escapa a mim, que não sou do ramo.

sábado, 10 de novembro de 2012

E Não Compartilho Mesmo

Considero o Facebook (e as redes sociais em geral) uma invenção excelente. Claro que não chegam aos pés da boa e velha interação ao vivo e a cores, mas nem sempre dá para a gente estar ao lado das pessoas de quem gosta com a frequência que desejaria, seja pela distância física, pelos horários que nunca batem, pelo momento que cada um está vivendo. E nessa hora o Facebook vem bem a calhar, permitindo que a gente, mesmo à distância, curta a gravidez, mande um recado carinhoso, relembre aquele momento engraçado compartilhado há muitos anos, dê os parabéns pela promoção.

Mas. Mas. Sempre tem um "mas". Eu já escrevi antes que gostaria de ter mais opções de filtro no Facebook. E, acrescento agora, não só pra filtrar o spam social e o FourSquare que posta no meu feed de notícias disfarçado de Twitter, mas também pra filtrar certas imagens que tentam me fazer compartilhá-las na base da chantagem emocional.

By BrokenSphere (Own work) [GFDL or CC-BY-SA-3.0-2.5-2.0-1.0], via Wikimedia Commons
"97% das pessoas não vão compartilhar esta imagem, mas tenho certeza de que você faz parte dos 3% que não vão ficar indiferentes."

By Karatay at tr.wikipedia (Transferred from tr.wikipedia) [Public domain], from Wikimedia Commons
"Se fosse piada, todo mundo compartilhava; quero só ver quem vai compartilhar essa imagem comovente."

By Justin Rudd (Own work, Justinrudd) [CC-BY-SA-3.0], via Wikimedia Commons
"Se você se importa, curte; se não liga, ignora."

By Gean (Own work) [CC-BY-3.0 or GFDL], via Wikimedia Commons
"Quantos 'curtis' esse anjinho merece?".


Se você quer alguma coisa de mim, tentar fazer eu me sentir culpada por não ajudar é, disparado, a PIOR maneira de pedir. E, geralmente, quem compartilha essas imagens não posta nem umas duas ou três linhas de texto junto pra amenizar a tijolada do "Quero só ver se você é um ser humano decente!" implícito.

Se esse é o seu melhor argumento, meu conselho é que você pare de compartilhar a imagem, porque está prestando um desserviço à causa.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Go Cry, Emo Kid #2


Go Cry, Emo Kid - o Longa-Metragem Que Deu Origem à Série

A Possessão do Sr. Cave

Quando alguém fala em livro 3D,  usualmente está se referindo àqueles livros que têm uma dobradura entre cada duas páginas montada de forma que, quando o livro é aberto, a dobradura se arma, tornando-se uma figura tridimensional. Essa definição faz sentido para livros de figuras, em que observar as figuras é parte essencial da experiência da leitura. No caso de livros sem figuras, o que eu chamo de "experiência 3D" é quando o leitor se sente não como um observador, mas como um personagem da trama.

Esta semana eu li "A Possessão do Sr. Cave", de Matt Haig. Passei a história toda tentando decidir se estava lendo uma história sobrenatural ou o drama de um homem escorregando lentamente em direção à loucura e confesso que mesmo depois de terminar o livro ainda não tenho 100% de certeza (tendendo para a segunda opção). Por outro lado, talvez tenha sido essa mesma a intenção do autor. Eu me lembro de quando assisti "Uma Mente Brilhante" e, lá pela metade do filme, no ponto em que fica claro que o personagem do Russell Crowe está sofrendo alucinações mas ainda não está claro para o público o que é alucinação e o que é real, alguém que estava sentado perto de mim no cinema resmungou: "Já não sei mais o que é de verdade e o que não é!" Eu achei aquilo genial, porque eu estava com a mesma sensação e acredito que essa tenha sido a intenção do diretor: fazer o público experimentar um pouco do que o personagem, esquizofrênico, estava sentindo.

No caso de "A Possessão do Sr. Cave", quando certas atitudes e comentários do personagem principal me fizeram começar a questionar a sua sanidade, eu comecei também a rever mentalmente todos os acontecimentos prévios, enxergando-os sob outra luz e me perguntando se as coisas tinham mesmo acontecido da forma como o personagem tinha narrado (o livro é narrado na primeira pessoa) ou se ele estava enxergando os atos e palavras dos outros personagens de forma tendenciosa, influenciado pelo seu próprio sofrimento e culpa.

Se a intenção era me deixar confusa, Matt Haig fez um excelente trabalho. Bom o suficiente para eu estar procurando outros livros seus para ver se ele é capaz de continuar me deixando intrigada.

Go Cry, Emo Kid #1


Go Cry, Emo Kid - o Longa-Metragem Que Deu Origem à Série

domingo, 4 de novembro de 2012

Social Spam

Quando eu fiz a pós em Data Warehousing, Data Mining e Gestão de Conhecimento, o tema do meu projeto final foi "Utilização de Sistemas de Redes Sociais Como Mecanismo Para Promover a Inteligência Organizacional". Foi um projeto feito em grupo e a parte que me coube da fundamentação teórica foi justamente a definição de rede social e, mais especificamente, de rede social corporativa. Com isso, eu li bastante sobre o assunto e aprendi alguns conceitos que até então não conhecia, como "social search", "social bookmarking" e "social graph".

Um termo eu que não vi na época foi Social Spam. Hoje, uma pesquisa por esse termo no Google trouxe mais de 57.000 resultados, mas, pelo menos nos lugares em que eu li, utilizado de forma incorreta: "social alguma coisa" não é simplesmente essa alguma coisa feita dentro de uma rede social. Social search, por exemplo, não é usar aquela caixa de pesquisa que fica no alto da tela do Facebook. Bom, hoje, pelo menos, é lá que ela fica: daqui a uma semana as vozes dentro da cabeça da equipe responsável no Facebook podem dizer para eles mudarem o layout de novo, e aí, quem sabe onde tudo vai parar? Mas eu divago. Social search é você usar a caixa de pesquisa e os resultados da pesquisa virem ordenados não só por relevância, últimas atualizações, quantidade de links, as coisas de sempre, mas também pela quantidade de amigos seus (principalmente aqueles com quem você mais interage) que visitam, comentam e curtem cada página.

Seguindo a mesma linha, social spam não é quando o seu amigo atualiza o status dele cinco vezes por dia pra dizer "curtam a minha página" nem quando a loja cuja página você curtiu posta todas as promoções, lançamentos e a abertura da nova filial em Inconstitucionalissimamente do Norte. Isso é spam comum. Social spam é quando a loja percebe que o Facebook tem uma opção "Ocultar todas as histórias de <<página que você curtiu mas cujas atualizações de status não quer ver>>", e começa a criar promoções do tipo "compartilhe este post e concorra a um iPod", "curta nossa página e concorra a uma camiseta", "comente este post dizendo porque você deve ganhar um ingresso para o show". E todos. Os seus amigos. Compartilham. Curtem. E comentam. Não posso falar pelos outros, mas eu, pessoalmente, não quero ocultar os posts dos meus amigos: eu gosto de ver o que eles compartilham, curtem e comentam. Foi por isso que eu os adicionei no Facebook. Eu só queria não participar de todas as promoções das quais cada um dos meus amigos participa...

Vejo três maneiras de resolver esse problema. Uma seria os meus amigos pararem de participar das promoções (não vai acontecer, eu sei). Outra seria as empresas pararem de tentar usar os meus amigos como mulas do tráfico para contrabandear spam pro meu feed de notícias (não vai acontecer elevado à décima potência). A terceira seria o Facebook acrescentar mais um nível às opções de bloqueio que oferece aos usuários, do tipo "Exibir compartilhamentos de fulano (a não ser que sejam da página tal)" ou, aproveitando que já estou no embalo, "Ocultar todas as histórias de FourSquare mesmo que venham através do Twitter" (eu não sou sua mãe: não quero saber onde você está a não ser que a gente tenha marcado alguma coisa e você esteja atrasado).

A terceira solução seria a mais razoável, já que daria a cada um mais controle sobre o que aparece no seu próprio feed. Meio óbvio, né? Infelizmente, o que o Professor Siva Vaidhyanathan disse sobre o Google no seu livro "The Googlization of Everything: (And Why We Should Worry)" (*) vale, na minha opinião, para o Facebook também. Nós não somos os clientes nem do Google nem do Facebook: nós somos o produto que eles vendem para os anunciantes, esses sim os seus clientes. Assim, não espero nenhuma melhoria significativa nos mecanismos de bloqueio num futuro próximo. Alterações no layout, por outro lado...

* Em tempo: eu não li o livro, por isso não posso dizer se é bom, mas essa frase em particular eu considero brilhante.

sábado, 3 de novembro de 2012

Sob a Redoma

Ontem terminei de ler "Sob a Redoma", do Stephen King. Por um lado, foi bom matar a saudade de um tema do qual ele tinha se afastado nos últimos livros que eu li, do horror que se abate sobre uma cidadezinha no interior do Maine. Por outro, eu torcia também por um retorno ao horror sobrenatural de "A Coisa", "A Hora do Vampiro" e "Cemitério Maldito", entre outros. Nesse aspecto, fiquei na vontade: por enquanto, vou ter que me contentar com as doses homeopáticas de "Little Green God of Agony".

Mesmo assim, o livro é muito bom. É bom desde o começo, mas, depois de um certo ponto, engrena de um jeito tal que não dá mais pra parar de ler. Da metade pro fim, então, eu li com o coração na mão, cada página uma aflição à medida que o tempo ia passando debaixo da Redoma, a situação em  Chester's Mill se deteriorava e ficava claro que <spoiler>nenhum tabu seria poupado: criança, mãe solteira, cachorro, qualquer um podia morrer</spoiler>.

Uma das coisas que eu admiro no trabalho do Stephen King são os personagens que ele cria e com "Sob a Redoma" mais uma vez não me decepcionei. Os habitantes de Chester's Mill (e as poucas pessoas de fora com quem eles interagem ao longo da história) são, em diferentes graus, generosos, egoístas, corajosos, covardes, esclarecidos, preconceituosos... mas sempre indiscutivelmente, dolorosamente reais. Não há Mary Sues nem vilões caricatos de bigode retorcido e risada histriônica. Pessoas inteligentes cometem erros idiotas sob pressão, pessoas corajosas têm medo de morrer, pessoas fracas encontram forças que nem elas mesmas sabiam que tinham.

Então, respondendo à pergunta que encerra o livro: sim, tenho certeza que eu me diverti lendo o livro tanto quanto o autor se divertiu escrevendo-o. É justo.