segunda-feira, 19 de junho de 2017

A Caderneta Vermelha

Continuando o desbravamento da minha pilha de livros, terminei de ler A Caderneta Vermelha. O livro do autor francês Antoine Laurain foi, infelizmente, uma decepção. Para compensar, peguei a seguir A Casa das Sete Mulheres, uma aposta segura porque da Letícia Wierzchowski eu já tinha lido Sal, que é excelente.

Por ora, no entanto, falemos d'A Caderneta Vermelha. Como eu comentei anteriormente, este livro me lembrou E Se Fosse Verdade, do também francês Marc Levy, por um motivo nada lisonjeiro: os dois são livros com uma premissa interessante que poderia ter gerado uma história leve e romântica, mas cuja execução foi desastrosamente ruim. E Se Fosse Verdade é um raro caso de filme que ficou melhor que o livro, por isso recomendo, para quem tiver interesse, que assista o filme com o Marc Ruffalo e a Reese Witherspoon, que vale muito mais a pena. Não sei se existe um filme baseado n'A Caderneta Vermelha e, francamente, não vou perder meu tempo pesquisando.

A trama básica do livro é simples e me cativou quando eu li o resumo no site da Amazon: uma moça (Laure) é assaltada e tem sua bolsa roubada. Quando mais adiante o ladrão se desfaz da bolsa, tendo tirado de dentro dela a carteira e o celular, ela é encontrada por um homem (Laurent) que resolve inspecionar o conteúdo da bolsa para tentar descobrir a identidade da sua dona e encontra a caderneta vermelha do título, que Laure usa como uma mistura de diário e agenda. A partir do que Laurent lê na caderneta, ele tem vislumbres da personalidade da dona e se encanta com essa mulher desconhecida, e começa a usar o conteúdo da bolsa (um livro autografado, um recibo de lavanderia) para encontrá-la.

E eu vou abrir parênteses aqui para comentar que essa gracinha com o nome dos protagonistas e o sobrenome do autor (Laure, Laurent, Laurain) deveria ter me alertado para o nível do livro. Apesar de esse tipo de coisa até acontecer na vida real (eu mesma conheço uma Andréa que se casou com um André), na ficção fica parecendo forçação de barra. Enfim, devia ter me alertado, mas não alertou. Fecha parênteses.

Não é uma premissa ruim para uma comédia romântica, mas o autor errou na mão, e errou feio. Eu li uma vez em algum lugar que, para que o público se importe com o fato de dois personagens terminarem juntos, é preciso primeiro que ele se importe com os personagens individualmente. Em A Caderneta Vermelha, os dois protagonistas (na verdade, todos os personagens) são tão rasos e mal-construídos que foi impossível me importar com eles. Assim, o final feliz de Laure e Laurent não empolga nem decepciona. Eles terminarem juntos ou não dá no mesmo.

Além disso, algumas atitudes de Laurent que se pretendem românticas para mim estão mais para coisa de namorado doido e controlador. Quando ele finalmente consegue juntar as pistas para descobrir o endereço de Laure, ele vai até lá e encontra William, um colega de trabalho dela que tem a chave reserva e está lá para alimentar o gato, já que Laure está internada no hospital e inconsciente desde o assalto.

William, que sabe que Laure está saindo com alguém que ele ainda não conhece, assume que Laurent é o tal namorado, e Laurent não o desmente. Alerta nível 1. Como ele vai viajar por alguns dias e não tem ninguém para deixar responsável pelo gato nesse período, ele pede para Laurent ficar com a chave reserva e se encarregar da tarefa. E Laurent aceita. Alerta nível 2.

Depois que William vai embora, Laurent sai bisbilhotando pelo apartamento (alerta nível 3), escuta os recados da secretária eletrônica (alerta nível 4) e encontra um recado do rapaz com quem ela vinha saindo, que não sabe o que aconteceu, está aborrecido porque Laure o está "ignorando" e diz que aquele é o último recado que ele vai deixar antes de parar de ligar para ela de vez. E Laurent faz o quê? Apaga o recado.

Alerta nível ordem de restrição judicial.
-- Image courtesy of Stuart Miles @ FreeDigitalPhotos.net --

Quando Laure recobra a consciência, alguns dias depois, nem ela nem William ficam nem um pouco preocupados com o fato de que um homem desconhecido mentiu para William sobre a natureza do seu relacionamento com Laure para obter a chave do apartamento dela e passar algum tempo lá todos os dias. Quando recebe alta, Laure volta para casa ansiosa para conhecer esse homem tão simpático e prestativo e fica desapontada quando descobre que ele partiu deixando a bolsa e um bilhete, mas nenhuma forma de contato.

Quando parecia que os dois nunca mais iam se ver, a filha adolescente de Laurent interfere, entrando em contato com Laure e lhe dizendo onde o pai trabalha. Daí em diante, tudo acontece rápido: em um único e breve capítulo os dois se encontram, se apaixonam e vivem felizes para sempre. O ex de quem Laurent se livrou nunca mais é mencionado. E a pessoa que comprou esse livro coloca Antoine Laurain na sua lista negra e promete a si mesma não comprar mais livros dele. Fim.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Por Que Pedimos Desculpas

Só para deixar bem claro, pedir desculpas é diferente de apenas dizer "desculpa", como quem diz "com licença" já empurrando o outro com o ombro. Nem deveria ser preciso explicar uma coisa dessas, mas, infelizmente, às vezes é.

Por que pedimos desculpas? Pedimos desculpas porque precisamos ser perdoados. Porque a consciência de ter errado gera um sentimento ruim que só vai passar com o perdão. Quem apenas diz "desculpa" não quer ser perdoado. Só pode ser perdoado alguém que errou e quem apenas diz "desculpa" não acha que errou. Quem apenas diz "desculpa" quer mesmo é que o outro diga que ele não fez nada de errado. Quer só encerrar a discussão e acabar com o clima ruim. Frequentemente coloca até um "mas" depois do "desculpa" para deixar isso bem claro. "Desculpa, eu não devia ter gritado com você. Mas é que eu ando sob muita pressão no trabalho." "Desculpa, eu devia ter te explicado o que estava acontecendo. Mas às vezes é difícil conversar com você." Quem pede desculpas não precisa de um "mas". Quem pede desculpas sabe que tudo o que vem depois do "mas" é irrelevante comparado ao que vem antes dele.

Pedimos desculpas porque pisamos na bola e sabemos disso, e sabemos que circunstâncias atenuantes não mudam o fato de que estamos errados. Sempre haverá circunstâncias atenuantes; elas podem ser mencionadas em outro momento, se forem relevantes, mas não junto com o pedido de desculpas.

Pedimos desculpas porque o outro tem direito a esse reconhecimento de que não é sem motivo que ele está magoado, ou com raiva, ou ambos. Não é drama, não é frescura, não é mimimi. Por mais que o outro já saiba disso, ele tem o direito de ouvir isso de quem foi a causa da sua mágoa ou raiva.

Pedimos desculpas porque é a forma de o outro saber que seja o que for que aconteceu de ruim não vai se repetir, ou que vamos pelo menos tentar. Porque quem acredita que errou vai se esforçar de verdade para não repetir o erro, sem achar que está fazendo um favor ao outro ao ser tolerante com suas "manias".

Pedimos desculpas porque assuntos mal resolvidos podem, a médio e longo prazo, minar uma relação. Ou não: é um risco que se corre. E em se tratando de certas pessoas não queremos correr riscos.

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