terça-feira, 21 de junho de 2016

O Papelzinho Marrom

Quem já conhece a piada do menino que achou um papelzinho marrom na rua pode pular este parágrafo. Quem não conhece, leia sabendo que essa é uma piada idiota que crianças de dez anos de idade contam para zoar os amiguinhos. A piada pode ter muitas variações, mas sempre começa assim: um menino achou um papelzinho marrom na rua. Como ele não sabia ler, levou o papel para a escola e perguntou à professora o que estava escrito. A professora olhou o papel e gritou, horrorizada: "Você não tem vergonha de mostrar isso para a sua professora? Vá já para a sala do diretor!". Chegando na sala do diretor, o menino explicou porque tinha sido mandado para lá. O diretor pediu para ver o tal papelzinho e a cena se repetiu, desta vez com o menino sendo expulso da escola e mandado para casa. O papelzinho marrom foi então passando de mão em mão e com ele o menino, sempre deixando o adulto responsável horrorizado e sem nunca ninguém dizer ao menino o que de tão terrível estava escrito no tal papel. Depois de muitas variações da mesma cena, o menino está em um navio em alto mar a caminho do exílio (eu sei, eu sei, mas, lembrem-se: piada contada por crianças de dez anos de idade...). A bordo do navio ele conhece uma moça muito simpática que o ensina a ler. Finalmente, tendo aprendido a ler, o menino procura um local reservado no convés do navio para ler o papelzinho marrom e descobrir o seu misterioso conteúdo. Cheio de empolgação, ele abre o papelzinho e... sopra um vento que arranca o papel de suas mãos e o carrega para o mar, perdido para sempre. Fim. Eu avisei que era uma piada idiota. E olha que eu contei a versão condensada: nos meus tempos de garota, a gente esticava a saga do menino ao máximo, já que o objetivo era deixar o ouvinte o mais desesperado de curiosidade possível antes de chegar ao final anticlimático.

Hoje eu assisti um filme assim: Don't Blink. A premissa até que é interessante: dez amigos vão para um resort nas montanhas no meio do nada, mas, chegando lá, encontram o local deserto, com vários objetos espalhados pelo local como se os seus donos tivessem simplesmente desaparecido de repente. Há mesas postas no restaurante do hotel com comida esfriando nos pratos, uma panela no fogo na cozinha, torneiras abertas nos chalés, uma mamadeira cheia caída dentro de um bebê conforto, um barco com uma vara de pescar boiando no meio do lago. Lago esse, por sinal, que está congelado apesar de isso não condizer com a temperatura ambiente nem com a época do ano. Eles também constatam que não há nenhum animal na região, nem mesmo passarinhos ou insetos. Intrigante, né? E aí, enquanto eles estão discutindo o que fazer, uma das moças some. E, enquanto eles estão procurando por ela, um dos rapazes também some. E é como a piada do menino que achou um papelzinho marrom na rua: a trama não evolui, são só variações da mesma cena se repetindo até só sobrar uma das moças. Duas pessoas podem estar sentadas lado a lado no sofá: é só uma desviar os olhos por um segundo que a outra pode sumir sem deixar rastros.

Quase no fim do filme, quando só restam quatro pessoas, um dos primeiros a sumir chega a reaparecer dizendo que não se lembra de nada, mas isso não dá em nada, já que ele some de novo sem chegar a dar nenhuma informação nova. No fim, a única moça que sobrou consegue ligar para a emergência e chegam a polícia, os bombeiros, a guarda costeira e os escoteiros. E, enquanto ela está sentada no banco de trás de uma viatura esperando para ser levada para casa, fecha os olhos, baixa a cabeça por um instante e, quando a ergue de novo, todos os policiais, paramédicos, bombeiros etc à sua volta desapareceram. Apavorada, ela fica encarando seu próprio reflexo no espelho retrovisor do carro e repetindo para si mesma "não pisque, não pisque". E então sopra um vento que arranca o papel de suas mãos e o carrega para o mar, perdido para sempre ela pisca e some também.

E é por isso que não se deve deixar que crianças de dez anos de idade escrevam e dirijam filmes de suspense.

"Ha! Te peguei!"
© Santos06 | Dreamstime.com - Young Boy Pointing At You Photo

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Cadê o Memento?

Eu tenho seis sobrinhos lindos, inteligentes e fofos que, como toda criança linda, inteligente e fofa, são uma fonte inesgotável de histórias adoráveis e/ou divertidas. Para não me tornar aquela tia chata que só tem um assunto, eu criei uma regra para mim mesma quando estou com meus amigos: tenho direito a só uma história por evento. Não importa se, desde a última vez em que estive com aquele grupo de amigos, meus sobrinhos fizeram duas dúzias de coisas engraçadinhas: se eu estiver com vontade de contar um caso, vou contar só um que eu considerar o melhor de todos e fim de assunto.

Já neste blog, entra quem quer e lê quem quer, então eu posso contar quantos casos eu quiser, sempre que eu quiser. E hoje, conversando sobre nem me lembro mais qual assunto, me lembrei da história do memento.

Uma das minhas sobrinhas (cujo nome será omitido porque ela sabe quem é, mas os colegas de escola, amigos e inimigos não precisam saber a não ser que ela queira contar) tinha na época uns três anos de idade. A família estava reunida na casa da minha irmã (tia dela e mãe de dois meninos) e eu passei por algum motivo no quarto onde as crianças estavam brincando. Minha sobrinha me perguntou então: "Cadê o memento?".

E aí? O que seria "memento"? Pedi pra repetir, tentei adivinhar, tudo em vão. Nem me lembro mais quais palavras usei: o que parece com "memento"? Jumento? Fermento? Já deu pra ver que não passei nem perto, né? A criança ainda tentou ajudar a tia obtusa, dando exemplos: "Memento! Bobô, lolão...". A coisa só piorava.

Nesta hora, meu sobrinho, nem um ano mais velho que a pequena, que estava brincando ali perto, resolveu interferir e resolver a questão de uma vez. Sem nem interromper o que estava fazendo, apontou: "Os instrumentos estão naquela caixa."

E é isso. Memento era instrumento, bobô era tambor e lolão era violão. Simples assim. A criança foi brincar, feliz da vida, e a tia perdeu um pouquinho mais de moral naquele dia por não ser capaz de entender uma coisa tão óbvia.

Memento.
Image courtesy of nuttakit at FreeDigitalPhotos.net

domingo, 19 de junho de 2016

Moça, Você Não É Minha Irmã

De uns tempos pra cá, têm aparecido na minha linha do tempo do Facebook, através de compartilhamentos, comentários e curtidas de amigos, postagens de algumas páginas das quais até então eu nunca tinha ouvido falar, como "Moça, Você É Machista" e "Moça, Não Sou Obrigada a Ser Feminista", entre outras. Graças a um cuidadoso trabalho de refinamento de conteúdo de minha parte, ocultando uma postagem aqui, bloqueando uma página ali, já não aparece mais tanta bobagem na minha linha do tempo, mas já li o suficiente para considerar necessário explicar que:

1. Aqui não tem sororidade nenhuma, não.

Moças feministas, a gente nem se conhece. Não sei qual é a posição de vocês em relação ao aborto, a pena de morte, a redução da maioridade penal, o impeachment da Dilma ou a cassação do Eduardo Cunha. Aliás, não sei nem se vocês falam "presidente" ou "presidenta". Não sei se vocês furam fila, estacionam na vaga de deficientes sem ter direito, usam carteira de estudante falsificada para pagar meia, seguem a LeiSecaRJ no Twitter pra poder beber e dirigir à vontade. Então, não, não sou irmã de ninguém só porque também tem útero. E digo mais: se tiver os mesmos valores que eu, com ou sem útero, já está aprovado. Me alio alegremente a ele contra o resto do mundo.

2. Empoderada é uma palavra tosca demais.

Empoderada me lembra duas palavras: "empoeirada" e "emparedada". Nenhuma das duas tem uma conotação positiva. Além de ser feia, essa palavra é apenas o aportuguesamento de "empowered", importada dos Estados Unidos; ou melhor, trazida escondida no fundo da mala depois de jogar fora a embalagem e a nota fiscal pra não pagar imposto. Pelo amor de Deus, abre um dicionário e vai aprender uma palavra nova em português ao invés de ficar inventando coisa tosca.

3. Homem se escreve com "H".

Há quem use a palavra "ômi" (ex. "ômi fazendo omice" — meu Deus, acho que perdi uns 5 pontos de QI só por escrever isso!) pra distinguir os homens que são machistas dos que não são, ou homens feministas de falsos feministas, ou... Olha, não interessa. Pára, que tá feio. Todos são homens e o fato de alguns não prestarem não tem absolutamente nada a ver com o cromossomo Y. A humanidade é assim: vem em todos os modelos e cores, variando do santo ao calhorda. E isso vale tanto para homens quanto para mulheres.

Finalmente, encerro esse texto com as palavras do imortal filósofo:

"Enquanto isso, a louça, né? Tá toda na pia."

© Wawritto | Dreamstime.com - Dirty dishes in the sink

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Desembarque Pelo Lado Direito

Na semana passada, eu fui pela primeira vez a um evento da Fábrica das Peças, um grupo que curte jogos de tabuleiro e se reúne às quartas-feiras à noite na praça de alimentação do Shopping Nova América para jogar. Foi ótimo, os organizadores do evento são super simpáticos, um dos criadores do Space Cantina estava lá divulgando o jogo, que é bem legal, e o local é de fácil acesso para quem está perto de uma estação do metrô, já que a saída da estação Del Castilho é ligada diretamente à entrada do shopping. O único detalhe que dificulta um pouco é que, bom, a estação Del Castilho é uma estação da Linha 2, né? E a Linha 2 do Metrô Rio às 19h de um dia de semana... não é exatamente uma alegria. Não é que não dê pra ir: dá, sim. Mas é preciso estar disposto a encarar o metrô cheio e saber que nem sempre vai dar pra entrar no primeiro que passar (se ele estiver estupidamente lotado, é melhor esperar um próximo que venha "só" cheio pra caramba). E eu digo isso não só pelo desconforto que é o metrô estupidamente lotado, mas também pelo fato de que, dependendo da estação na qual você pegar o metrô, pode ser que você entre por uma porta e tenha que desembarcar por outra, do outro lado do vagão. E, se o metrô estiver estupidamente lotado, aquela outra porta que está a dois passos de distância poderia muito bem estar no metrô de Nova York, considerando as suas chances de chegar até ela.

Mesmo em um vagão "só" cheio pra caramba, esse negócio de entrar pela porta do lado esquerdo e sair pela porta do lado direito (ou vice-versa) se torna mais complicado do que precisaria ser pelo fato de que, a não ser que você seja um usuário frequente que já aprendeu qual lado do vagão abre em cada estação, só vai descobrir de que lado vai desembarcar (e, consequentemente, para qual lado do vagão deve ir se dirigindo para estar próximo das portas quando elas se abrirem) quando o metrô já estiver chegando na sua estação. O que tende a ser um problema quando entre você e as referidas portas há 5.256 pessoas que adorariam dar licença pra você se elas ao menos tivessem para onde ir para sair do seu caminho.

"A gente faz assim: a senhora sobe no colo dessa moça simpática de blusa cinza, aí vocês dois, que são magrinhos, sentam juntos lugar dela e o rapaz de azul... Que foi? Por que vocês estão me olhando desse jeito engraçado?"
Hemeroskopion | Dreamstime.com - Crowded Buenos Aires Subway Photo)

Por isso eu resolvi prestar um serviço de utilidade pública e registrar, pelo menos no trajeto Carioca – Del Castilho, de que lado as portas do vagão se abrem em cada estação, para ninguém ter que fazer como eu fiz: ficar bem no meio do vagão até o último instante para só começar a me movimentar quando a gravação anunciou a minha estação.

Carioca: Desembarque pelo lado direito
(Sim, eu sei que a porta também abre do lado esquerdo, mas essa é para o pessoal que vai entrar: a porta abre antes do lado direito justamente para todo mundo poder desembarcar antes de o povo que está na estação começar a entrar, então, colabore, certo?)

Uruguaiana: Desembarque pelo lado direito

Presidente Vargas: Desembarque pelo lado direito

Central: Desembarque pelo lado esquerdo

Cidade Nova: Desembarque pelo lado esquerdo

São Cristóvão: Desembarque pelo lado direito

Maracanã: Desembarque pelo lado esquerdo

Triagem: Desembarque pelo lado direito

Maria da Graça: Desembarque pelo lado direito

Del Castilho: Desembarque pelo lado direito