terça-feira, 12 de setembro de 2017

Lagostas Motivadas

Depois da galinha e do porco e do peixe fresco, hoje vamos falar sobre o vídeo motivacional com as lagostas. Como esse povo das palestras motivacionais gosta de analogia com bicho, né?

"Finalmente é a minha vez de brilhar!"
Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=32060

Pra quem nunca assistiu esse vídeo, que circulou bastante no Facebook há uns meses atrás, segue o resumo. Na verdade, não é bem um resumo: é quase uma transcrição, já que o vídeo não dura nem 2 minutos.

Segundo o palestrante, a casca das lagostas é rígida, por isso, à medida que uma lagosta cresce e sua casca permanece do mesmo tamanho, a lagosta começa a ficar cada vez mais apertada e desconfortável dentro daquela casca que se tornou pequena demais para ela, até que chega ao ponto em que ela precisa se livrar da casca e produzir uma nova, mais apropriada para o seu novo tamanho. Como a lagosta continua crescendo, eventualmente a nova casca também fica pequena e o ciclo se repete. A conclusão do palestrante é que o estímulo para que a lagosta possa crescer é que ela se sente desconfortável e a moral da história é que os momentos de estresse são o que nos faz crescer.

Então, tá. Vamos pensar um pouquinho (só um pouquinho) no assunto. A lagosta está lá, feliz e contente na sua casca (que nós vamos chamar de exoesqueleto porque esse é o termo correto e nós somos instruídos aqui) super confortável. Só que a lagosta cresce e o exoesqueleto, não. E é aí que a lagosta começa a ficar desconfortável. Está todo mundo prestando atenção e reparando que a lagosta só começou a ficar desconfortável depois que cresceu? O desconforto não foi o estímulo para o crescimento, e sim a sua consequência: gente, esse vídeo motivacional é horrível! A moral da história, na verdade, é que crescer é ruim e só nos traz problemas. Se a lagosta não crescesse, ela estava até agora sossegada com seu primeiro exoesqueleto. Mas não, tinha que resolver arrumar sarna pra se coçar e crescer até não caber mais nele!

Moral da história (de verdade): não compartilhem vídeos supostamente motivacionais só porque o narrador é um velhinho de barba branca com ar de sábio. Velhinhos de barba branca também falam bobagem às vezes.

domingo, 23 de julho de 2017

As Aventuras de Eliane Maria - parte II

Há pouco mais de dois anos atrás eu compartilhei aqui no blog a empolgante história dos apuros financeiros de uma certa Eliane Maria, que eu estava acompanhando através de uma série de e-mails de cobrança que estavam chegando "por engano" na minha caixa de entrada. Depois da publicação do artigo, fiquei durante alguns dias monitorando os e-mails que chegavam na caixa de spam, aguardando ansiosa novos e-mails com o desenrolar dessa novela. Mas o tempo passou, não chegou mais nenhum e-mail para a Eliane Maria e eu acabei esquecendo do assunto, mas não sem antes criar um filtro para identificar e marcar todos os e-mails vindos daquele remetente com o label "eliane", evitando assim que eles fossem parar na caixa de spam, onde seriam apagados depois de 30 dias.

E foi assim que na semana passada estava eu pesquisando os meus e-mails procurando a fatura do cartão de crédito quando, para minha alegria, descobri um monte de novos e-mails para a Eliane Maria!

Para minha alegria, mas não para alegria da Eliane Maria, que, pelo visto, não aprendeu nada com a primeira experiência e já se endividou mais ainda, desta vez com a loja Renner.

"Uhu! Cartão de crédito novo! Estou rica, rica, RICA!"
© Elnur | Dreamstime.com - Woman with shopping bags

Tudo começou em fevereiro de 2015, quando a Eliane Maria estava recebendo (e, pelo visto, ignorando solenemente) e-mails referentes à sua dívida com o Banco Itaú. Eis que chega então outro e-mail que, embora não mencionando explicitamente uma dívida, informava, como quem não quer nada, o horário de atendimento da Central de Negociações Renner.

"Vou só deixar isto aqui..."
© Nadianb | Dreamstime.com - Man handing business card

Uma semana depois, imagino que sem ter recebido nenhuma resposta da Eliane Maria, mandaram o mesmo e-mail novamente, provavelmente na esperança de que o primeiro tivesse apenas sido apagado por engano.

"E se ela estiver simplesmente ignorando os nossos e-mails?... Não, não pode ser: aí já seria insensibilidade demais."
© Xalanx | Dreamstime.com - Pensive businessman with hand on chin

A Eliane Maria não respondeu este segundo e-mail também, mas desta vez ela teve seus motivos: no mesmo dia chegou outro e-mail, desta vez da mesma empresa que já vinha fazendo a cobrança da dívida com o Itaú, agora com valor atualizado de R$ 2.758,73. Mas veja bem, o desconto também aumentou: ao invés dos 76% de desconto oferecidos no início do mês, agora eles estavam oferecendo um desconto de 81% se a Eliane Maria pagasse a dívida dela até o dia 27! Gente, estou quase querendo parar de pagar o meu cartão do Itaú também só pra ver se eles vão me oferecer um desconto bom desses também. Não é à toa que o assunto do e-mail era "COMUNICADO URGENTE - Última Oportunidade": até para a generosidade de um banco existe um limite.

Ou será que não? Esta história está tão emocionante que merece um "cenas do próximo capítulo" antes do próximo artigo. Aperta o play antes de continuar lendo.



Locutor: "No próximo episódio de 'As Aventuras de Eliane Maria'..."

"Eu vou mandar só mais um e-mail e depois chega! Desisto dessa mulher..."
Image courtesy of nuttakit at @ FreeDigitalPhotos.net

"Ah, se eu pego o infeliz que autorizou esses descontos!..."
© Dolgachov | Dreamstime.com - Stressed Woman With Computer Photo

"Que mané pagar! Eu quero é compraaaaaaaar!"
© Elnur | Dreamstime.com - Woman with shopping bags

segunda-feira, 19 de junho de 2017

A Caderneta Vermelha

Continuando o desbravamento da minha pilha de livros, terminei de ler A Caderneta Vermelha. O livro do autor francês Antoine Laurain foi, infelizmente, uma decepção. Para compensar, peguei a seguir A Casa das Sete Mulheres, uma aposta segura porque da Letícia Wierzchowski eu já tinha lido Sal, que é excelente.

Por ora, no entanto, falemos d'A Caderneta Vermelha. Como eu comentei anteriormente, este livro me lembrou E Se Fosse Verdade, do também francês Marc Levy, por um motivo nada lisonjeiro: os dois são livros com uma premissa interessante que poderia ter gerado uma história leve e romântica, mas cuja execução foi desastrosamente ruim. E Se Fosse Verdade é um raro caso de filme que ficou melhor que o livro, por isso recomendo, para quem tiver interesse, que assista o filme com o Marc Ruffalo e a Reese Witherspoon, que vale muito mais a pena. Não sei se existe um filme baseado n'A Caderneta Vermelha e, francamente, não vou perder meu tempo pesquisando.

A trama básica do livro é simples e me cativou quando eu li o resumo no site da Amazon: uma moça (Laure) é assaltada e tem sua bolsa roubada. Quando mais adiante o ladrão se desfaz da bolsa, tendo tirado de dentro dela a carteira e o celular, ela é encontrada por um homem (Laurent) que resolve inspecionar o conteúdo da bolsa para tentar descobrir a identidade da sua dona e encontra a caderneta vermelha do título, que Laure usa como uma mistura de diário e agenda. A partir do que Laurent lê na caderneta, ele tem vislumbres da personalidade da dona e se encanta com essa mulher desconhecida, e começa a usar o conteúdo da bolsa (um livro autografado, um recibo de lavanderia) para encontrá-la.

E eu vou abrir parênteses aqui para comentar que essa gracinha com o nome dos protagonistas e o sobrenome do autor (Laure, Laurent, Laurain) deveria ter me alertado para o nível do livro. Apesar de esse tipo de coisa até acontecer na vida real (eu mesma conheço uma Andréa que se casou com um André), na ficção fica parecendo forçação de barra. Enfim, devia ter me alertado, mas não alertou. Fecha parênteses.

Não é uma premissa ruim para uma comédia romântica, mas o autor errou na mão, e errou feio. Eu li uma vez em algum lugar que, para que o público se importe com o fato de dois personagens terminarem juntos, é preciso primeiro que ele se importe com os personagens individualmente. Em A Caderneta Vermelha, os dois protagonistas (na verdade, todos os personagens) são tão rasos e mal-construídos que foi impossível me importar com eles. Assim, o final feliz de Laure e Laurent não empolga nem decepciona. Eles terminarem juntos ou não dá no mesmo.

Além disso, algumas atitudes de Laurent que se pretendem românticas para mim estão mais para coisa de namorado doido e controlador. Quando ele finalmente consegue juntar as pistas para descobrir o endereço de Laure, ele vai até lá e encontra William, um colega de trabalho dela que tem a chave reserva e está lá para alimentar o gato, já que Laure está internada no hospital e inconsciente desde o assalto.

William, que sabe que Laure está saindo com alguém que ele ainda não conhece, assume que Laurent é o tal namorado, e Laurent não o desmente. Alerta nível 1. Como ele vai viajar por alguns dias e não tem ninguém para deixar responsável pelo gato nesse período, ele pede para Laurent ficar com a chave reserva e se encarregar da tarefa. E Laurent aceita. Alerta nível 2.

Depois que William vai embora, Laurent sai bisbilhotando pelo apartamento (alerta nível 3), escuta os recados da secretária eletrônica (alerta nível 4) e encontra um recado do rapaz com quem ela vinha saindo, que não sabe o que aconteceu, está aborrecido porque Laure o está "ignorando" e diz que aquele é o último recado que ele vai deixar antes de parar de ligar para ela de vez. E Laurent faz o quê? Apaga o recado.

Alerta nível ordem de restrição judicial.
-- Image courtesy of Stuart Miles @ FreeDigitalPhotos.net --

Quando Laure recobra a consciência, alguns dias depois, nem ela nem William ficam nem um pouco preocupados com o fato de que um homem desconhecido mentiu para William sobre a natureza do seu relacionamento com Laure para obter a chave do apartamento dela e passar algum tempo lá todos os dias. Quando recebe alta, Laure volta para casa ansiosa para conhecer esse homem tão simpático e prestativo e fica desapontada quando descobre que ele partiu deixando a bolsa e um bilhete, mas nenhuma forma de contato.

Quando parecia que os dois nunca mais iam se ver, a filha adolescente de Laurent interfere, entrando em contato com Laure e lhe dizendo onde o pai trabalha. Daí em diante, tudo acontece rápido: em um único e breve capítulo os dois se encontram, se apaixonam e vivem felizes para sempre. O ex de quem Laurent se livrou nunca mais é mencionado. E a pessoa que comprou esse livro coloca Antoine Laurain na sua lista negra e promete a si mesma não comprar mais livros dele. Fim.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Por Que Pedimos Desculpas

Só para deixar bem claro, pedir desculpas é diferente de apenas dizer "desculpa", como quem diz "com licença" já empurrando o outro com o ombro. Nem deveria ser preciso explicar uma coisa dessas, mas, infelizmente, às vezes é.

Por que pedimos desculpas? Pedimos desculpas porque precisamos ser perdoados. Porque a consciência de ter errado gera um sentimento ruim que só vai passar com o perdão. Quem apenas diz "desculpa" não quer ser perdoado. Só pode ser perdoado alguém que errou e quem apenas diz "desculpa" não acha que errou. Quem apenas diz "desculpa" quer mesmo é que o outro diga que ele não fez nada de errado. Quer só encerrar a discussão e acabar com o clima ruim. Frequentemente coloca até um "mas" depois do "desculpa" para deixar isso bem claro. "Desculpa, eu não devia ter gritado com você. Mas é que eu ando sob muita pressão no trabalho." "Desculpa, eu devia ter te explicado o que estava acontecendo. Mas às vezes é difícil conversar com você." Quem pede desculpas não precisa de um "mas". Quem pede desculpas sabe que tudo o que vem depois do "mas" é irrelevante comparado ao que vem antes dele.

Pedimos desculpas porque pisamos na bola e sabemos disso, e sabemos que circunstâncias atenuantes não mudam o fato de que estamos errados. Sempre haverá circunstâncias atenuantes; elas podem ser mencionadas em outro momento, se forem relevantes, mas não junto com o pedido de desculpas.

Pedimos desculpas porque o outro tem direito a esse reconhecimento de que não é sem motivo que ele está magoado, ou com raiva, ou ambos. Não é drama, não é frescura, não é mimimi. Por mais que o outro já saiba disso, ele tem o direito de ouvir isso de quem foi a causa da sua mágoa ou raiva.

Pedimos desculpas porque é a forma de o outro saber que seja o que for que aconteceu de ruim não vai se repetir, ou que vamos pelo menos tentar. Porque quem acredita que errou vai se esforçar de verdade para não repetir o erro, sem achar que está fazendo um favor ao outro ao ser tolerante com suas "manias".

Pedimos desculpas porque assuntos mal resolvidos podem, a médio e longo prazo, minar uma relação. Ou não: é um risco que se corre. E em se tratando de certas pessoas não queremos correr riscos.

© Salman2 | Dreamstime.com - Delicate White Lily Flower Photo

sábado, 27 de maio de 2017

O Torreão

Na semana passada, terminei de ler O Torreão, da autora americana Jennifer Egan, diminuindo assim a minha pilha de 62 para 61 livros. No seu lugar, entrou como novo livro da vez A Caderneta Vermelha, do francês Antoine Laurain. Deste último por enquanto só vou dizer que, se O Torreão me lembrou Chuck Palahniuk e Kafka, A Caderneta Vermelha me lembra Marc Lévy, e isto não é um elogio.

A respeito d'O Torreão, é um livro interessante de uma autora interessante. O meu primeiro contato com o trabalho da Jennifer Egan foi o conto Caixa Preta, publicado no Twitter em postagens diárias pela Editora Intrínseca e posteriormente como livro digital. O formato do livro foi escolhido especificamente para se adaptar ao Twitter: uma série de parágrafos de não mais de 140 caracteres. Essa ideia meio excêntrica funcionou surpreendentemente bem, e a estória me prendeu do início ao fim. Em função do formato escolhido, a narrativa desse conto de espionagem flui de forma ágil e acelerada, saltando rapidamente de um ponto para o seguinte sem perder o ritmo até o fim.

Já O Torreão é uma narrativa um pouco mais tradicional, mas ainda assim com algumas reviravoltas interessantes, tal como a descoberta, lá pela metade do livro, de que existe uma estória dentro da estória e que não estamos lendo a estória de Danny e sua visita ao castelo e sim a estória de Ray contando a estória de Danny. A alternância entre os dois pontos de vista (de Danny e de Ray) não atrapalha o fluxo da estória e a nova mudança de ponto de vista já no finzinho do livro de Ray para Holly também acontece com tanta naturalidade que não causa incômodo o fato de aquela personagem até então secundária de repente estar dando um passo à frente e ocupando o centro das atenções. Quando eu percebi, Holly já tinha virado protagonista e estava tudo bem. O único alerta que eu faço é para quem não gosta de finais abertos, porque este livro tem um assim. Eu, particularmente, gosto deles quando funcionam e o d'O Torreão funcionou.

Tudo isso me deixou ansiosa para ler A Visita Cruel do Tempo, livro que já está na minha pilha e que rendeu à autora o Prêmio Pulitzer de Ficção em 2011. Talvez eu passe este livro para o alto da pilha antes do outros, talvez não. Mais provavelmente não: cada vez mais estou achando que os livros da Jennifer Egan são melhor desfrutados separadamente, com um livro de outro autor no meio para limpar o paladar, como um gole d´água entre duas taças de vinhos diferentes.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

A Pilha Aumenta

Há muito tempo atrás, eu conheci um site chamado "A Pilha Aumenta" que ou não existe mais ou tinha outro nome e eu é que estou lembrando errado, porque não o encontrei hoje para colocar o link aqui.

De qualquer modo, isso não vem ao caso. A questão é que o nome do site (e título deste artigo) se refere à pilha (literal ou figurada) de livros que todo amante da leitura tem, seja de livros já comprados, somente desejados ou estabelecidos como meta, e que ainda não foram lidos. E ao fato de que essa pilha parece que está sempre aumentando: por mais que devoremos um livro atrás do outro, com avidez e deslumbramento, os livros continuam sendo escritos e se tornando objeto de desejo em um ritmo ainda mais acelerado. Dá um pouco de agonia pensar que uma vida não é suficiente para ler tudo, mas dá também uma imensa satisfação saber que eu nunca vou ficar sem ter o que ler.

Com o advento do livro digital, a pilha ficou mais fácil de administrar, já que não requer mais um espaço de armazenamento físico. Ficou também bem mais barato comprar livros e a combinação das duas coisas gerou um novo problema: ao contrário da pilha física de livros, que indica muito claramente ao leitor mais, digamos, entusiasmado que ele já tem livros demais para ler e deveria dar um tempo antes de comprar mais, a pilha virtual quase não chama atenção. E foi assim que eu me descobri esta semana com uma pilha de livros para ler de nada menos do que 62 livros de altura.

Esta pilha tem menos que 62 livros. Pois é.
-- Image courtesy of Tomas Adomaitis @ Stockvault --

Foi por isso que eu fiz uma resolução não de parar de comprar livros, porque isso seria loucura, mas de diminuir o ritmo, só comprando um livro depois de ler pelo menos dois livros da pilha, até que esta diminua até um tamanho mais civilizado. Digamos assim, um tamanho que, caso ela fosse uma pilha física de livros sobre a mesa de cabeceira, não representasse uma ameaça à integridade física de quem estivesse dormindo na cama ao lado dela.

Apresento hoje, então, a minha Pilha de Livros, não necessariamente na ordem em que vão ser lidos porque essas coisas dependem de vários fatores, o principal deles sendo o meu estado de espírito no momento.

  • O Torreão (Jennifer Egan)
Este é um dos livros que eu estou lendo no momento. E digo "um dos" porque outra vantagem do Kindle é que eu posso ter sempre mais de um livro comigo, para diferentes estados de espírito ao longo do dia. O Torreão é meio que o "livro principal" no momento. Tem um quê de Chuck Palahniuk, mas sem o excesso de detalhes chocantes que começou a me incomodar nos últimos livros do Chuck Palahniuk que eu li. Também tem algo nele que me lembra bastante O Castelo de Kafka, e não apenas porque a maior parte da estória é ambientada em um castelo que está sendo reformado para se tornar um hotel, mas principalmente pela sensação de incerteza e desconforto experimentada pelo protagonista, chamado ao castelo para prestar um serviço cuja natureza nunca fica claramente definida, tentando sem sucesso obter respostas diretas e sempre com a sensação de que algo está fora do lugar e que as coisas não são o que parecem.
  • O Rei de Amarelo (Richard W. Chambers)
Fico indo e voltando para este livro: atualmente, só falta um conto para eu ler. Não estou exatamente empolgada com o livro: minha motivação maior para lê-lo são as várias referências cruzadas entre ele e outros livros e jogos pelos quais eu me interesso.
  • A Imperatriz de Ferro (Juan Chang)
O terceiro livro "da vez". Esse é um livro mais pesado, porque é uma biografia: não consigo ter um livro desses como único livro da vez. No momento, dei uma parada nele porque de repente percebi que tinha me perdido na cronologia: preciso me sentar com papel e lápis (ou com o notebook aberto) e fazer algumas anotações antes de retomar a leitura.
  • A Caderneta Vermelha (Antoine Laurain)
  • Tudo o que Nunca Contei (Celeste NG)
  • Os Irmãos Karamazov (Fiódor Dostoiéviski)
  • Contos (Edgar Allan Poe)
  • Deuses Americanos (Neil Gaiman)
  • Meu Primeiro Assassinato (Leena Lehtolainen)
  • A Visita Cruel do Tempo (Jennifer Egan)
  • O Acidente (T. L. Taylor)
  • O Livro de Memórias (Lara Avery)
  • A Majestade do Xingu (Moacyr Scliar)
  • D. Pedro: a História Não Contada (Paulo Rezzuti)
  • Quarenta Dias (Maria Valéria Rezende)
  • Armadilha (Melanie Raabe)
  • Jane Eyre (Charlotte Brönte)
  • A Evolução de Calpúrnia Kate (Jacuqeline Kelly)
  • Maze Runner (James Dashner)
  • O que Há de Estranho em Mim (Gayle Forman)
  • Welcome to Night Vale (Joseph Fink e Jeffrey Cranor)
  • A Maldição de Domarö (John Ajvide Lindqvist)
  • Todo Mundo Vê Formigas: Todo Mundo Tem Algo a Dizer (A. S. King)
  • As Vinhas da Ira (John Steinbeck)
  • A Casa Misteriosa (Charles Dickens)
  • Mary Poppins (P. L. Travers)
  • Uma Garota de Muita Sorte (Jessica Knolli)
  • O País dos Cegos e Outras Histórias (H. G. Wells)
  • Um Passado Sombrio (Peter Straub)
  • Além-mundos (Scott Westerfeld)
  • Cem Dias Entre o Céu e o Mar (Amyr Klink)
  • Wicked (George Maguire)
  • Na Escuridão Amanhã
  • Catarina, a Grande: Retrato de Uma Mulher (Robert K. Massie)
  • As Irmãs Romanov: A Vida das Filhas do Último Tsar (Helen Rappaport)
  • Dom Quixote de La Mancha (Miguel de Cervantes)
  • Nicolau e Alexandra: o Retrato Clássico da Queda da Dinastia Romanov (Robert K. Massie)
  • Onde os Velhos Não Têm Vez (Cormac McCarthy)
  • O Último Homem (Mary Shelley)
  • Fausto (Goethe)
  • Submissão (Michel Houellebecq)
  • Agência de Investigações Holísticas Dirk Gently (Douglas Adams)
  • Eu Sou Malala (Malala Yousafzai)
  • Doze Anos de Escravidão (Solomon Northup)
  • Madame Bovary (Gustave Flaubert)
  • A Divina Comédia (Dante Aliguieri)
  • Guerra e Paz (Lev Tolstoi)
  • Ouro (Chris Cleave)
  • As Aventuras de Pinóquio (Carlo Collodi)
  • Os Miseráveis (Victor Hugo)
  • A Casa das Sete Mulheres (Letícia Wierzchowski)
  • A Noiva do Enforcado (Charles Dickens)
  • A Loja de Tudo (Brad Stone)
  • Hemlock Grove (Brian  Mcgreevy)
  • O Conde de Monte Cristo (Alexandre Dumas)
  • O Arquipélago - vol. 1 (Érico Veríssimo)
  • O Arquipélago - vol. 2 (Érico Veríssimo)
  • O Arquipélago - vol. 3 (Érico Veríssimo)
  • O Jardim do Diabo (Luis Fernando Veríssimo)
  • Clara dos Anjos (Lima Barreto)
  • Indesejadas (Kristina Phisson)
  • Filme Noturno (Marisha Pessl)

Conforme eu for avançando nesta pilha, vou registrando o meu progresso.

domingo, 9 de abril de 2017

Geografia de Uma História de Amor

Há algum tempo alguém compartilhou no Facebook um artigo que continha uma série de estatísticas sobre livros, mais especificamente sobre o perfil dos autores em relação ao perfil dos leitores. O artigo falava sobre mulheres lendo livros escritos por homens e negros lendo livros escritos por brancos e nessa altura eu comecei a perder o interesse porque eu adoro ler e não tenho a menor intenção de deixar que essas picuinhas de "nós x eles" se intrometam em uma atividade que me faz tão feliz.

Alguns homens escrevem livros maravilhosos e algumas mulheres escrevem livros maravilhosos. Pessoas de todas as etnias, nacionalidades, culturas e religiões escrevem livros maravilhosos e, se eu não posso ler todos, quero pelo menos ler o maior número possível deles. Ao invés de reclamar que este ou aquele grupo não recebe a devida atenção, é muito mais eficaz dar a devida atenção a essas pessoas incríveis e à sua capacidade de nos transportar para outros universos e nos fazer sonhar, rir e chorar.

Por outro lado, eu adoro gráficos, estatísticas e qualquer outra forma que números assumam. E essa história toda me deu a ideia de começar a cadastrar os livros que li, pela curiosidade de ver o que isso mostraria. E aí, pra ficar ainda mais legal, eu descobri que o Google Drive tem uma opção incrível de gráfico chamada "Mapa", que colore os países de acordo com a sua pontuação. Por exemplo, no mapa abaixo os países cujos escritores foram mais lidos por mim são os de verde mais escuro, depois os de tons mais claros de verde, amarelo, vermelho claro até chegar ao vermelho escuro.

Se funcionar tudo direitinho, este mapa deve ir sendo atualizado automaticamente à medida que eu for cadastrando mais livros e autores, assim como o gráfico abaixo dele, onde os autores estão separados por sexo. Eu cheguei a considerar brevemente a ideia de separar por etnia, mas logo percebi que, além de dar uma trabalheira infernal para colher a informação, a proposta é impraticável. Nem os especialistas da área se entendem quanto a isso, eu é que não vou me meter a mexer nesse vespeiro.

Então, é isso: a separação é por nacionalidade, ficando negros e brancos, filhos de imigrantes de primeira, segunda e enésima geração todos no mesmo grupo, e para quem não gostar eu posso fornecer os dados brutos e estejam à vontade para criar seus próprios gráficos a partir deles.

Este é, portanto, o mapa da minha história de amor com a palavra escrita. É um trabalho em andamento e não pretendo que termine nunca. Ainda não terminei nem de cadastrar os livros passados, e os futuros vão continuar vindo.

ATENÇÃO: Alerta de recomendação de livros maravilhosos à frente. De nada.

Já neste resultado parcial, algumas coisas interessantes (pra mim) vieram à tona. Por exemplo, que Morris West, autor de, entre outros, A Filha do SilêncioO Advogado do Diabo, não era americano como eu pensava e sim australiano. Que, apesar de algumas experiências tão ruins com a literatura indiana que me levaram a achar que eu não gostava de nenhum livro de lá, eu já li, sim, alguns livros de autores indianos dos quais eu gostei muito, como O Tigre Branco, A Doçura do MundoUm Lugar Para Todos. Descobri ainda que a Condessa de Ségur, autora de uma coleção de livros infantis que eu adorava quando era criança, não era francesa, mas russa e casada com um conde francês (daí o de Ségur) e que Maria Gripe, autora de Josefina, outro livro infantil, era, imaginem só, sueca.

O fato de que a maioria dos livros que eu já li até hoje foi escrita por americanos, britânicos e brasileiros não me surpreendeu considerando que essas três nacionalidades representam a maioria esmagadora do que chega às livrarias brasileiras. Neste aspecto os leitores digitais representam uma virada de jogo formidável: apesar de ainda ser preciso esperar pela tradução dos livros, só pelo fato de serem removidos da equação os custos de produção, transporte e armazenamento do livro físico já ficou muito mais fácil para o leitor ter acesso às obras de escritores fantásticos como o israelense Etgar Keret (De Repente, Uma Batida na Porta, Sete Anos Bons), a malaia Yangsze Choo (A Noiva Fantasma), os alemães Sascha Arango (A Verdade e Outras Mentiras) e Frank Schatzing (O Cardume), a sueca Katarina Bivald (A Livraria dos Finais Felizes), o suíço Joël Dicker (O Livro dos Baltimore, A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert), a japonesa Natsuo Kirino (Grotescas, Do Outro Lado) e a chinesa Xinran (As Filhas Sem Nome).




quarta-feira, 1 de março de 2017

Meu Cartão Chave de Segurança

Como qualquer pessoa que tem um endereço de e-mail há mais de uma semana, eu recebo muito spam. E como spam é uma coisa que não serve pra nada e ainda consome a minha franquia de Internet, eu acho justo que sirva pelo menos pra eu poder compartilhar os piores exemplos aqui no blog e rir da cara deles.

Então, vejamos este e-mail que eu recebi do "Banco do Bradesco" (sic) a respeito do meu "cartão chave de sergurança" (sic)

"Não era melhor usar o corretor ortográfico antes de enviar?" "Eu sou pago pra escrever, não pra usar o corretor ortográfico."

Prezado(a) responsável por redigir e-mails de spam,

Seu e-mail perde credibilidade quando ele vem cheio de erros e inconsistências. Vamos analisá-lo, sim?

Credibilidade = 10

Não se separa com vírgula o sujeito do verbo. O certo é "o motivo pelo qual estamos entrando em contato é", sem vírgula. Credibilidade = 9

Pode ser "estamos entrando em contato para informar" ou "o motivo de estarmos entrando em contato é para informar", mas nunca "o motivo de estarmos entrando em contato é para informar". Credibilidade = 8

SeRgurança não existe. Credibilidade = 7

Parênteses rápido pra dizer que também está escrito "sergurança" no assunto do e-mail, e este foi o motivo de ele ter chamado a minha atenção e ter sido selecionado para aparecer no blog hoje. Parabéns aos envolvidos. Fecha parênteses.

É não só permitido como também altamente recomendado utilizar ponto dentro de um parágrafo e não só no fim dele. Toda vez que terminar uma frase ("seu cartão chave de sergurança (sic) Bradesco encontra-se expirado"), você pode e deve colocar um ponto final antes de começar a frase seguinte ("Pedimos que você acesse nosso portal e ative-o."). Aproveite, é de graça! Credibilidade = 6

Se bem que, se o cartão está expirado, é meio tarde para ativá-lo, né? Reativar talvez, mas ativar uma coisa que expirou... Sei não. Credibilidade = 5

No parágrafo seguinte, "Caso a reativação da sua conta não seja realizada..." Peraí, como assim, reativar a conta? O cartão chave de segurança expirou e a conta toda foi desativada? Credibilidade = 4

De qualquer modo, o fato é que, se a conta não for reativada. "será cobrado um valor de R$ 85,70 referente ao envio de um novo cartão de sergurança". Novamente essa tal de seRgurança. Não posso optar por um cartão de segurança no lugar do outro que expirou? Credibilidade = 3

Além disso, de que adianta mandar um cartão novo para a conta desativada? Credibilidade = 2

Mesmo com a ordem do sujeito e do predicado invertida, ainda é preciso manter a concordância verbal. O verbo ocorrer tem que concordar com o sujeito "complicações com sua conta". Ou seja, o certo é "para que não ocorram complicações" e não "para que não ocorra complicações". Impessoal é o verbo haver ("para que não haja complicações"). Credibilidade = 1

Fora o fato de que, se a conta está desativada, já está meio tarde pra tentar evitar complicações. Credibilidade = 0

O e-mail está assinado pela "Linha de Segurança Banco do Bradesco". Engraçado que dessa vez escreveram "segurança" corretamente. Mas Banco do Bradesco só pode ser um banco que pertence ao Bradesco. Credibilidade = -1

Banco do Bradesco
Image courtesy of Suat Eman @ FreeDigitalPhotos.Net

E eu mencionei que não tenho conta no Bradesco? Credibilidade = -1.000

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Gerente, Não Faça Isso: Valorizando a Equipe

Hoje eu vou apresentar mais um item da lista de coisas que um gerente não deve nunca, nunca, NUNCA fazer. Há alguns anos atrás, eu trabalhava como analista de requisitos em um projeto grande, com um gerente de projeto que era ruim em muitas coisas, mas era decididamente péssimo no quesito comunicação. Péssimo a ponto de aquilo ser uma piada frequente entre os membros da equipe: mais de uma vez eu ouvi gente comentando que ele deveria ensaiar na frente do espelho antes de se dirigir à equipe, na esperança de que, talvez, ao escutar a si mesmo, ele conseguisse perceber quão mal soava o que ele estava pretendendo dizer.

"Nossa, até eu fiquei com raiva de mim agora."
© Vadimgozhda | Dreamstime.com - Morning Photo

No episódio em questão, ele tinha reunido a equipe toda na sala de reuniões para fazer uma série de comunicados a respeito do projeto, que estava em crise: super atrasado, paciência do cliente chegando ao limite, equipe desmotivada etc.

Um dos tópicos abordados foi uma queixa que tanto o líder de desenvolvimento quanto o líder de testes já vinham fazendo há algum tempo: a incompatibilidade entre o volume de trabalho e o tamanho da equipe. O gerente explicou que, por vários motivos, aquele era um momento delicado para fazer contratações, mas que ele tinha conseguido autorização para contratar mais um profissional. Considerando que tanto a equipe de desenvolvimento quanto a equipe de testes estavam reivindicando mais profissionais, ele tinha precisado fazer uma escolha e tinha decidido dar prioridade, naquele momento, à contratação de um novo desenvolvedor.

Até aí, nada de mais. Um projeto não tem orçamento infinito e muitas vezes o gerente precisa fazer escolhas difíceis e definir prioridades. Concordando ou não com a decisão, todo mundo sabe que isso faz parte do jogo e se a história terminasse aí provavelmente os analistas de teste teriam ficado aborrecidos, mas superado.

Mas claro que a história não parou aí. O gerente quis dar uma satisfação à equipe e explicar seus motivos para contratar um analista de desenvolvimento em vez de um analista de teste, o que seria uma ótima ideia... se os seus motivos não fossem "teste a gente pode dar pra qualquer pessoa fazer".

"Não sei o que aconteceu: eu estava aqui me preparando para a reunião com a equipe, quando, do nada, o espelho explodiu."
© Surchy | Dreamstime.com - Shattered Mirror Photo

Veja bem, eu até concordo que o trabalho mais crítico de um analista de teste não é a execução do teste propriamente dito e sim o planejamento e elaboração dos cenários e casos de teste. Com casos de teste bem escritos e detalhados, não seria necessariamente uma má ideia adotar a solução temporária de pedir para outro analista fazer alguns testes funcionais, desafogando um pouco a equipe de testes. Mas está dando pra perceber a diferença entre a maneira como eu coloquei a coisa e a maneira do gerente do projeto?

Para quem não é da área de TI, deixa eu explicar algumas coisas. Um teste funcional é um teste feito do ponto de vista do usuário: ele é feito navegando-se pelas telas no sistema e executando todas as funcionalidades em todos os cenários possíveis, para ver se o comportamento do sistema corresponde ao esperado. Para isso, os analistas de teste elaboram com antecedência casos de teste baseados principalmente na documentação elaborada pelos analistas de requisitos durante a fase inicial do projeto. A elaboração de um caso de teste é um trabalho extremamente minucioso porque exige do analista de teste não apenas entender como o sistema deve funcionar, mas também antecipar todas as coisas que podem dar errado, fazendo com que ele não funcione da forma desejada. Só para dar um exemplo muito, mas muito simplificado, até porque teste não é a minha especialidade, se o analista de requisitos especifica, de acordo com a solicitação do usuário, que para cadastrar a nota de um aluno no sistema da universidade é necessário informar a matrícula do aluno, o código da disciplina, a identificação da prova (P1, P2 ou prova final) e a nota propriamente dita, o analista de testes tem que elaborar casos de teste para testar o comportamento do sistema não apenas se o usuário preencher todos os campos direitinho, mas também se ele informar uma matrícula que não existe, ou o código de uma disciplina na qual o aluno não está inscrito, ou uma nota abaixo de zero, ou uma nota acima de dez, ou uma nota com três casas decimais se a regra da universidade é arredondar para uma casa decimal só, ou letras em campos que só deveriam receber números, e muito mais. Ele precisa analisar cada regra de negócio e e todas as maneiras das quais ela pode dar errado. E isso só pensando nos testes funcionais: testes de performance, de estresse e de integração são só alguns dos outros tipos de testes existentes e necessários (não estou dizendo que todo mundo faça, mas isso já é outra história: não é novidade pra ninguém que existe muito projeto mal-feito por aí, né?).

Ou seja, não é, ao contrário do que disse o gerente do projeto, uma coisa que qualquer um possa fazer. Mas, tudo bem, vamos supor que você, gerente, ache que isso tudo é um monte de bobagem e que a tia do café poderia perfeitamente substituir qualquer um dos analistas de teste do seu projeto: será que você não pode pelo menos não dizer isso na cara deles? Eles provavelmente já desconfiam, mas isso não é motivo para anunciar em uma sala de reunião cheia de gente o seu desprezo pela habilidade e conhecimento que eles passaram anos adquirindo.

Gerente, não faça isso. Vai por mim: essa é uma daquelas situações em que é preferível você mentir.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Peixe Fresco

Há quase dois anos atrás eu publiquei um artigo neste blog sobre aquela estorinha "motivacional" da galinha e do porco. Já faz bastante tempo que não escuto essa analogia infeliz, mas recentemente começaram a compartilhar no Facebook outra estória da carochinha motivacional que eu vou esculhambar comentar aqui hoje: os japoneses e seu método infalível para ter sempre peixe fresco.

O motivo desta imagem é apenas que, quando eu compartilho um artigo no Facebook, não consigo selecionar uma imagem para exibir com o link; o Facebook exibe sempre a primeira imagem do artigo. E ninguém merece olhar para a imagem do próximo parágrafo fora de contexto.
© Aleksg | Dreamstime.com - Discus - Tropical Fish Photo

Então, vamos à estória. Ela começa afirmando que os japoneses adoram peixe fresco. Não sei se é verdade, mas essa associação "culinária japonesa = peixe" é muito popular, então vamos assumir que seja isso mesmo. A questão é que, ainda segundo a estória, as águas perto do Japão não produzem muito peixe há décadas. Não tenho a menor ideia se isso é verdade ou não e não vou pesquisar: segue o jogo. Para resolver esse problema de oferta e demanda, os japoneses teriam então aumentado o tamanho dos navios pesqueiros e começado a pescar cada vez mais longe da costa. Faz sentido: eu faria o mesmo. Só que, quanto mais longe da costa o peixe for pescado, mais tempo leva para ele chegar ao consumidor e aí, já viu, né? Peixe não é um alimento famoso pelo seu enorme prazo de validade.

"Deixa eu te explicar uma coisa: se você vender essa porcaria toda pelo preço deles em ouro não paga o meu adicional de insalubridade."
© Oirseed | Dreamstime.com - Fish Scraps Photo

A primeira solução que as empresas de pesca teriam tentado para resolver esse problema teria sido instalar congeladores nos barcos. E aí surge o problema apontado no título deste artigo: o peixe congelado dura mais, mas tem gosto diferente do peixe fresco e os japoneses não teriam gostado, fazendo com que o preço do peixe caísse.

As empresas teriam, então, partido para a solução número 2: instalar nos barcos pesqueiros tanques dentro dos quais os peixes pescados pudessem ser colocados de modo a permanecerem vivos até chegarem ao seu destino. O problema é que, segundo o autor, os peixes nos tanques super lotados se debatiam por algum tempo, mas acabavam ficando exaustos e parando de se mexer, chegando ao seu destino final vivos, mas cansados e abatidos.

E aí os japoneses conseguiam perceber a diferença no gosto dos peixes apáticos e não gostavam desses também. Povinho enjoado pra comer esse, hem?

A terceira solução encontrada pela empresas de pesca japonesas — solução essa, segundo o autor, que as empresas utilizam até hoje — foi colocar em cada tanque um tubarão (um "pequeno tubarão", segundo ele, não um grande tubarão branco — ah, bom!) junto com os peixes. Segundo o autor, o tubarão no tanque mantém os peixes ativos e alertas... já que os peixes apáticos o tubarão come. Uma estratégia muito interessante se você for a pessoa que vai comer o peixe. Porque a moral da estória, quer o autor goste ou não, é essa: os peixes motivados passam a viagem inteira estressados, fugindo do predador dentro daquele espaço confinado de onde não têm como escapar, só pra no fim serem mortos, estripados, picados em pedacinhos pequenos e servidos com molho shoyu e raíz forte.

"Onde outros vêem um problema, eu vejo uma oportunidade."
© Danilosaltarelli | Dreamstime.com - Japanese Food Combo Photo

Sem perceber essa triste ironia, o autor segue fazendo altas analogias entre os peixes e as pessoas. Os peixes, diz ele, são desafiados. Seja um peixe, ele diz: ao invés de evitar os desafios (tanques), pule dentro deles. "Ponha um tubarão no seu tanque e veja quão longe você realmente pode chegar".

Vou repetir pro caso de alguém não ter prestado atenção da primeira vez: colocar um tubarão no tanque é uma ótima ideia se você for a pessoa que vai comer o peixe fresco no fim da viagem, ou se você for a pessoa que vai vender o peixe por um preço mais alto porque, afinal, é peixe fresco, ou até mesmo se você for o tubarão e não se incomodar de passar o resto da vida num tanquinho ridículo, mas onde pelo menos você está no topo da cadeia alimentar e a comida não tem pra onde fugir. Ou seja, pra todo mundo, menos para o peixe. Nunca para o peixe. Se você é um peixe e vir um tanque com um tubarão dentro, nade o mais rápido que puder na direção oposta. Não importa o que te espera na direção oposta. não pode ser pior do que um tanque com um tubarão dentro navegando em direção ao mercado de peixe. E. se você for um peixe que já está em um tanque com um tubarão dentro, eis o seu primeiro desafio: livre-se do tubarão.

A ida ao mercado de peixe é inevitável: todos chegaremos lá um dia. Mas não deixe que as empresas pesqueiras te convençam que a coisa mais importante é chegar lá como um peixe fresco; a coisa mais importante é passar o tempo que te resta no oceano como um peixe feliz.

"Sou feio, mas sou feliz. Mais feio é quem me diz."
© Tamarabauer | Dreamstime.com - Grouper Photo

domingo, 15 de janeiro de 2017

Eu Sou a Favor da Limitação da Banda Larga

O debate sobre o fim da Internet ilimitada começou no ano passado, depois pareceu que tinha sido encerrado, mas ressurgiu novamente há alguns dias após uma declaração do ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações de que o modelo de franquia de dados pode vir a ser implementado este ano, sim. A Anatel disse que não, o Anonymous ameaçou começar uma guerra e, claro, um novo hashtag foi criado. #NaoAOLimiteDeInternet

Ou, no meu caso, #LimitaTudoSim. Sim, eu sou a favor dos planos de Internet fixa com limite de tráfego de dados: o título deste artigo não foi só pra chocar e atrair leitores para o blog. E por que eu sou a favor? Que bom que você perguntou (ou, pelo menos, que bom que ainda não parou de ler o artigo).

Imagine que você vai comer fora e tem que escolher um restaurante. Você pode escolher uma churrascaria rodízio, um restaurante de comida a quilo ou um restaurante a la carte. Se você for na churrascaria rodízio, sabe que pode comer o quanto quiser, de qualquer tipo de carne ou acompanhamento disponível. O preço é o mesmo, não importa quanto ou o que você coma. Se você for na comida a quilo, o preço varia dependendo da quantidade (mas não do tipo) de comida. Comeu mais, pagou mais; comeu menos, pagou menos. Finalmente, no restaurante a la carte você paga pelo prato inteiro, independente de ter só beliscado ou de ter raspado o prato e ainda passado um pãozinho no fundo pra pegar o restinho de molho, mas os preços variam de acordo com o tipo de prato: normalmente, massa é mais barato do que filé que é mais barato do que bacalhau.

O que nós temos hoje na Internet do Brasil é uma mistura de churrascaria rodízio com restaurante a la carte: o preço varia de acordo com o prato (velocidade), mas é o mesmo independente da quantidade consumida. E, assim, como na churrascaria rodízio, é claro que está todo mundo pagando pelo maior consumo, porque o dono do restaurante não está aqui pra levar prejuízo. Minha tia que só usa a Internet para enviar e-mail paga o mesmo que uma família que assiste de três a quatro filmes por dia, que é o mesmo que paga quem baixa todos os filmes que estão em cartaz enquanto joga online, que é o mesmo que paga quem trabalha de dia e estuda à noite e só usa a Internet nos fins de semana, que é o mesmo que paga o YouTuber que sobe conteúdo novo dia sim, dia não, que é o mesmo que paga quem trabalha em casa e estuda online, que é o mesmo que paga quem passa a madrugada no RedTube (só por causa das entrevistas, claro).

Eu sei que permitir que as operadoras ofereçam planos de Internet com franquia de uso de dados não vai baixar os preços da noite para o dia: mais provavelmente vai continuar todo mundo pagando o mesmo valor que paga hoje, só que agora com limite de uso de dados. E, não, isso não é legal. A questão é que do jeito que está hoje também não é legal: é injusto pra muita gente que precisa de Internet, mas não de tanta Internet assim, e está rachando a conta com o povo que precisa de tanta Internet assim.

"Precisa", no caso, é maneira de falar.
© Yadvigagr | https://www.dreamstime.com/ - Computer Tablet With Internet Icons Photo

Ou seja, o sistema já está errado hoje, e não é certo eu querer que ele continue errado só porque o sistema atual dá menos errado pra mim do que o novo que estão propondo (aqui em casa é um desses casos em que se assiste até mais do que três a quatro filmes por dia). Faz muito mais sentido que quem consome mais pague mais do que quem consome menos, e o primeiro passo para isso é permitir que as operadoras tenham planos com franquias diferentes para oferecer a usuários diferentes. Se os preços vão ser justos ou não, aí já é outra negociação, mas pelo menos vai passar a ser possível fazer essa negociação. Vai ter empresa oferecendo um plano mais barato com uma franquia diminuta tentando atrair a pessoa que hoje não tem Internet em casa. Vai ter empresa oferecendo um plano com mesmo preço do concorrente, mas com franquia maior pra tentar roubar os clientes do outro. É a tal da oferta x demanda. Vai ter até empresa oferecendo plano com Internet ilimitada, garanto. Vai ser mais caro do que é hoje? Com certeza. Sabe por quê? Porque cada um vai estar pagando só pela sua Internet, sem dividir a conta com outra pessoa que quase não usa a Internet.

Ao invés de brigar pra continuar todo mundo pagando muito por mais do que precisa, a gente devia estar brigando para cada um pagar o preço justo só pelo que precisa, e essa briga só pode ser feita se a Anatel se preocupar menos em engessar o sistema e mais em ajudar o consumidor a fiscalizar se está efetivamente recebendo a largura de banda que contratou e a denunciar cobranças abusivas e outras formas de não cumprimento de contrato. E deixar o sistema o mais flexível possível para que mais empresas queiram entrar nele oferecendo seus serviços. Deixa o povo abrir churrascaria rodízio, comida a quilo, restaurante a la carte, lanchonete, drive through, loja de comida congelada. A nós, consumidores, cabe pesquisar preços, negociar, ameaçar mudar de operadora, mudar mesmo de operadora, cobrar, denunciar, brigar pelos nossos direitos. Não é fácil, mas é parte do jogo.