Estou lendo atualmente "A Peculiar Tristeza Guardada num Bolo de Limão", da escritora inglesa Aimee Bender. Estou gostando bastante do livro: há algum tempo eu não lia uma história de realismo fantástico, que é um estilo que eu acho muito interessante e difícil de escrever bem. O realismo tem regras bem definidas e a fantasia cria suas próprias regras: o realismo fantástico se apóia no delicado equilíbrio entre os dois.
Uma das cenas que mais impressão me causaram é, ironicamente talvez, uma cena sem nenhum elemento fantástico na qual a mãe da protagonista e narradora conta para ela como ela e o marido (pai da menina) se conheceram. A mãe conta que foi a uma venda de garagem promovida por aquele que viria a ser seu marido e o amigo com quem ele dividia o apartamento. Ela estava procurando por um banquinho com assento forrado de veludo; os rapazes não tinham nenhum banquinho assim, mas um deles, encantado com a moça, arrumou uma lista de outras vendas de garagem acontecendo naquele dia nos arredores e se ofereceu para acompanhá-la na busca do banquinho desejado. Ao mesmo tempo, e sem que ela soubesse, ele deixou o amigo encarregado de providenciar um forro de veludo para o assento de um banquinho que eles tinham em casa. No fim do dia, não tendo encontrado um banquinho como ela queria nas casas por onde passaram, os dois retornaram à casa dele para que ela pudesse pegar o seu carro, estacionado ali perto, e ele sugeriu que eles dessem mais uma olhada, porque quem sabe alguém não teria passado por lá e feito, ao invés de uma compra, uma troca? Chegando lá, o amigo, já preparado, contou a história combinada: alguém tinha passado por lá e trocado, que feliz coincidência, um banquinho com assento forrado de veludo pela torradeira deles! A moça comprou o banquinho, feliz da vida, aceitou o convite do rapaz para sair mais tarde, eles começaram a namorar e ela só veio a saber da verdade na festa do seu casamento, quando o tal amigo contou toda a história, incluindo todos os serviços domésticos que o rapaz apaixonado tinha concordado em fazer em troca daquela ajuda para conseguir o primeiro encontro.
O que me impressionou foi o ressentimento velado que a filha percebeu na expressão da mãe quando esta contava a história, a contrariedade por ter descoberto que aquilo que ela tinha interpretado como um sinal, a ação do destino aproximando os dois, tinham sido na verdade o gesto de um rapaz que tinha ficado tão encantado com a moça linda e engraçada que ele conheceu que tinha se disposto a gastar seu dinheiro reembolsando o amigo pelo banquinho e a se comprometer, desorganizado que era, a passar a manter a casa sempre em ordem em troca da colaboração do amigo. A única mentira, se é que se pode chamar assim, que ele tinha contado para ela, tinha sido deixá-la pensar que aquele banquinho tinha aparecido ali por acaso (ou por obra do destino) e não contar que ele o tinha comprado especialmente para ela, para que ela ficasse feliz e ele tivesse uma chance de sair com ela.
Uma das cenas que mais impressão me causaram é, ironicamente talvez, uma cena sem nenhum elemento fantástico na qual a mãe da protagonista e narradora conta para ela como ela e o marido (pai da menina) se conheceram. A mãe conta que foi a uma venda de garagem promovida por aquele que viria a ser seu marido e o amigo com quem ele dividia o apartamento. Ela estava procurando por um banquinho com assento forrado de veludo; os rapazes não tinham nenhum banquinho assim, mas um deles, encantado com a moça, arrumou uma lista de outras vendas de garagem acontecendo naquele dia nos arredores e se ofereceu para acompanhá-la na busca do banquinho desejado. Ao mesmo tempo, e sem que ela soubesse, ele deixou o amigo encarregado de providenciar um forro de veludo para o assento de um banquinho que eles tinham em casa. No fim do dia, não tendo encontrado um banquinho como ela queria nas casas por onde passaram, os dois retornaram à casa dele para que ela pudesse pegar o seu carro, estacionado ali perto, e ele sugeriu que eles dessem mais uma olhada, porque quem sabe alguém não teria passado por lá e feito, ao invés de uma compra, uma troca? Chegando lá, o amigo, já preparado, contou a história combinada: alguém tinha passado por lá e trocado, que feliz coincidência, um banquinho com assento forrado de veludo pela torradeira deles! A moça comprou o banquinho, feliz da vida, aceitou o convite do rapaz para sair mais tarde, eles começaram a namorar e ela só veio a saber da verdade na festa do seu casamento, quando o tal amigo contou toda a história, incluindo todos os serviços domésticos que o rapaz apaixonado tinha concordado em fazer em troca daquela ajuda para conseguir o primeiro encontro.
O que me impressionou foi o ressentimento velado que a filha percebeu na expressão da mãe quando esta contava a história, a contrariedade por ter descoberto que aquilo que ela tinha interpretado como um sinal, a ação do destino aproximando os dois, tinham sido na verdade o gesto de um rapaz que tinha ficado tão encantado com a moça linda e engraçada que ele conheceu que tinha se disposto a gastar seu dinheiro reembolsando o amigo pelo banquinho e a se comprometer, desorganizado que era, a passar a manter a casa sempre em ordem em troca da colaboração do amigo. A única mentira, se é que se pode chamar assim, que ele tinha contado para ela, tinha sido deixá-la pensar que aquele banquinho tinha aparecido ali por acaso (ou por obra do destino) e não contar que ele o tinha comprado especialmente para ela, para que ela ficasse feliz e ele tivesse uma chance de sair com ela.
Eu fico pensando nas pessoas que, como essa moça, procuram sinais em acontecimentos corriqueiros do dia a dia. Por que eu considero essa prática uma péssima ideia? Pra começo de conversa, porque, em uma única manhã, acontecem um milhão de coisas com qualquer pessoa. Se a pessoa for procurar sinais em tudo o que acontece, metade desses sinais vai dizer pra ela fazer uma coisa e a outra metade vai dizer pra não fazer. Acordou com o barulho de uma batida bem debaixo da sua janela? Sinal de que não deve ir trabalhar de carro hoje. Reportagem sobre assalto em ônibus no jornal? Sinal de que deve ir de carro. Não acha a chave do carro? Sinal de que não deve ir de carro. Pega um casaco que não usava há um tempão e, no bolso dele, encontra o controle remoto reserva da porta da garagem que achava que tinha perdido? Sinal de que deve ir de carro. Chega na garagem e vê que o carro do vizinho está prendendo o seu? Sinal de que não deve ir de carro. E por aí vai. Como saber o que é sinal e o que não é?
Além disso, praticamente qualquer coisa pode ser interpretada da maneira que você quiser; então, como saber se aquele sinal de que você deve fazer justamente aquilo que está com vontade de fazer não é só uma coincidência na qual você está enxergando o que quer enxergar? Por outro lado, também não dá pra ver em tudo o que acontece um sinal de que você não deve fazer o que está com vontade de fazer: não é possível que você seja um ser humano tão horrível assim, que só tem vontade de fazer o que não deve!
Não estou dizendo que ninguém na história da humanidade jamais tenha recebido ou irá receber um sinal indicando o caminho a seguir. No dia em que você dobrar uma esquina e der de cara com um anjo ou com uma moita de sarça em chamas que arde mas não é consumida pelo fogo, pelo amor de Deus, acredite: você está recebendo um sinal! Seja o que for que a voz te disser pra fazer, faça! Mas, até lá, você acha realmente que Deus iria interferir no livre arbítrio do responsável pela programação da rádio pra ele tocar justamente a música que te lembra daquela pessoa só pra te dar um sinal de que você deve ligar pra ela? Ou ir contra todas as leis da física fazendo a chave do carro cair do seu bolso pra te mostrar que você deve ir pro trabalho de ônibus hoje? E eu digo "interferir no livre arbítrio" e "ir contra as leis da física" porque só dá pra contar como um sinal se essas coisas não iam acontecer e Deus (ou o universo, ou o destino, ou seja o que for em que você acredite) interferiu diretamente para fazer com que elas acontecessem. Senão é fácil: eu levanto de manhã, pego um copo de leite na geladeira, derramo em cima de cada uma das minhas blusas sociais, declaro que é um sinal de que não é para eu ir trabalhar hoje, volto pra cama e durmo até meio-dia.
Pense em como seria o mundo se Deus fosse atender a todo mundo que espera um sinal para saber se deve mudar de emprego, comprar um carro, casar, viajar pra praia, viajar pras montanhas, fazer vestibular, pintar o cabelo, terminar o namoro. Pra cada pessoa que pede um sinal, há outra que tem que parar o que está fazendo e fazer uma coisa que não pretendia só para ser o sinal solicitado. Já pensou que inferno seria ser vizinho de um mosteiro, com todos aqueles monges pedindo orientação divina todos os dias?
Eu, pessoalmente, acredito que, se você quer que Deus ilumine o seu caminho e te mostre o que Ele quer de você, o melhor jeito de conseguir isso ainda é o tradicional: peça, em oração, que Ele te ilumine e depois use a inteligência que Ele te deu pra chegar a uma conclusão, sozinho ou com a ajuda de pessoas em quem você confia. Escute a sua intuição: ela não é uma influência alienígena nem vem do espaço sideral. Muitas vezes a gente vê e escuta coisas que a nossa mente consciente não registra, mas que ficam armazenadas em algum cantinho do subconsciente e geram aquela sensação indefinível de que tem alguma coisa errada ou de que as coisas não são o que parecem ser. Acredite: o fato de que você tem inteligência e bom senso é um sinal de que Deus quer que você os use.
By Henryk Kowalewski (http://www.ccd.neostrada.pl/HTM/Merope.htm) [CC-BY-SA-2.5], via Wikimedia Commons
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