sexta-feira, 28 de junho de 2013

Uma Noite Qualquer

Tanta coisa para escrever, livros que eu li, meus pontos do Claro Clube que foram finalmente devolvidos, a PEC 37 derrubada, os desdobramentos das manifestações populares, problemas com o Santander, diatribes mil... Mas como eu não quero escrever sobre nada agora e ao mesmo tempo tenho vontade de escrever, opto por um exercício de relaxamento mental, exercitando outras áreas do cérebro ao brincar um pouco mais com a ficção.

Comecei procurando um gerador de assunto aleatório: em português não achei nenhum (mas também não procurei muito, não, senão o relaxamento mental ia pro vinagre), mas achei um interessante no site Creativity Games.

Pedi três palavras e recebi estas:
  • rocking chair (cadeira de balanço)
  • vegetable (legume)
  • leg (perna)

Obs. Como uma palavra pode ter vários significados, coloquei aqui só o significado que usei.

Esta é uma obra de ficção: qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.

— Mãe, eu não gosto de batata doce!

— Isso não é batata doce, Luiza, é batata baroa.

— Eu não gosto de batata baroa!

Helena suspirou. Todo jantar era a mesma coisa; ela imaginou as duas dali a vinte anos, a filha já adulta, formada na faculdade, franzindo o nariz e empurrando a comida no prato, e elas tendo aquela mesma conversa todas as noites.

— Luiza, você conhece a regra: pelo menos um legume.

— Milho é legume? — a menina perguntou, esperançosa.

— Não, amor, milho não é legume. Milho é... — Helena olhou para o marido do outro lado da mesa, buscando ajuda — Milho é o quê, Pedro?

— Cereal, — ele respondeu sem erguer os olhos do smartphone.

— Milho é cereal, — Helena repetiu, voltando-se novamente para a filha, — não é legume. Toma, — ela ofereceu, pescando um pedaço de cenoura na travessa, — come cenoura, você gosta de cenoura.

— Não gosto nada.

— Como não gosta? Ontem mesmo você comeu... Pedro! — Helena exclamou, exasperada, e algo no tom da sua voz fez com que o marido despregasse os olhos do smartphone e voltasse sua atenção para a batalha de vontades sendo travada entre as duas mulheres da sua vida.

— Você tem que escolher um, Luluca, — ele disse para a filha, o apelido carinhoso amenizando a entonação severa. — Batata baroa, cenoura ou mandioca.

— Mandioca, — a menina disse sem hesitação, e Helena prontamente colocou dois pedaços de mandioca no seu prato, o alívio por ver a questão resolvida sem drama mesclado com uma ponta de exasperação porque a teimosia da filha parecia ser direcionada sempre a ela e nunca ao pai.

"Pra ele tudo é fácil," ela pensou, ressentida, empurrando a batata baroa no seu próprio prato com uma expressão de contrariedade que o marido teve o bom senso de não comentar que era idêntica à da filha.

O resto do jantar transcorreu sem maiores incidentes. Pedro pegou novamente o telefone e terminou de ler o e-mail que o sócio havia enviado, mas depois disso colocou o aparelho de lado até o fim da refeição. Luiza, já completamente esquecida da discussão, tagarelou sem parar até a hora da sobremesa, contando, entre uma garfada e outra (e, às vezes, durante elas) sobre os ensaios para a festa junina da escola, uma briga ocorrida entre dois coleguinhas e a professora nova que estava substituindo a tia Adriana, de licença médica com uma perna quebrada.

Mais tarde naquela noite, Helena saía do banho quando escutou a voz do marido e a da filha vindo da sala, onde os dois assistiam a um DVD.

— Sua mãe está no banho, deixa que eu leio...

— Não, papai, — a menina interrompeu, — você não sabe!

— Como, não sei? — Pedro disse, rindo, entrando no quarto atrás da filha. — Eu sei ler, sim!

— Você não sabe ler a história da Chapeuzinho Vermelho, — ela declarou, caminhando decidida em direção à mãe assim que a viu abrir a porta do banheiro da suíte. — Você não faz as vozes direito; a mamãe é que sabe!

— Eu faço o Lobo Mau muito bem! — o pai protestou, fingindo indignação, mas a pequena não se comoveu e agarrou a mão da mãe.

— Vem, mamãe, — ela chamou, puxando a mão de Helena — Chapeuzinho Vermelho!

— Você não sabe fazer a vovozinha, — Helena disse ao marido com um sorriso enquanto pegava a filha no colo e a carregava para fora do quarto.

— Não sabe! — Luíza declarou com convicção, sacudindo um dedinho gorducho na direção do pai por cima do ombro da mãe.

Helena deu uma última espiada na direção do marido, que piscou um olho para ela antes de se acomodar para ler o jornal, e saiu do quarto com a filha nos braços. No quarto da menina, Helena se acomodou na cadeira de balanço que tinha sido da sua avó, restaurada com carinho quando a filha tinha nascido, e aconchegou a pequena em seu colo, macia e quentinha no pijama de flanela cor de rosa.

Luíza combateu valentemente o sono até o fim da história preferida, mas já estava cabeceando, os olhos semi-cerrados, quando o caçador finalmente resgatou Chapeuzinho Vermelho e a vovó das garras do Lobo Mau. Quando Helena se levantou com cuidado e carregou a menina para a cama, ela murmurou já de olhinhos fechados:

— Só você sabe, mamãe. Só você.

Glenn Gallimore @ Stockvault.net

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