terça-feira, 29 de julho de 2014

O Castelo, Outros Castelos, Tantos Castelos

Terminei hoje de ler O Castelo, de Kafka. Em primeiro lugar, tenho a dizer que agradeceria à pessoa que me recomendou este livro se tivesse me avisado que se trata de uma obra inacabada (inacabada mesmo, termina literalmente no meio de uma frase) publicada depois da morte de Kafka contrariando suas instruções expressas de queimar o rascunho.

Apesar de tudo, apreciei a leitura enquanto durou. Me lembrou O Processo, no sentido de que ambos os livros são contados pela ótica de um protagonista que se vê enredado na teia de aranha de um processo insanamente burocrático muito além da sua compreensão.

A diferença fundamental entre as duas experiências de leitura foi o fato de que eu li O Processo muito nova e sem saber o que esperar do livro. Me frustrei vendo o protagonista Joseph K. dar voltas e mais voltas em uma busca estéril que não chegava a lugar nenhum; esperava um desfecho conclusivo e respostas que não vieram. Francamente, nem sei como depois disso ainda me animei a ler A Metamorfose, mas não é que li? Já mais escaldada, não fiquei tão frustrada no fim do livro, mas ainda assim não gostei e me convenci de que Kafka não era a minha praia. Não busquei mais livros dele, mas ocasionalmente um conto ou outro encontrava o caminho até a minha estante, contrabandeado dentro de algum livro de contos de autores diversos. E assim li O Artista da Fome e outras histórias que me mostraram que eu até que aprecio Kafka se estiver no estado de espírito apropriado.

Comecei a ler O Castelo, então, já sabendo o que me esperava (menos a parte sobre ser uma obra inacabada publicada pelo amigo da onça Max Brod no que eu considero uma grande falta de respeito com o autor). Não é o que se pode chamar de leitura leve e relaxante, mas gostei assim mesmo.

E refleti muito sobre essa questão do castelo que ao mesmo tempo convoca o protagonista e impede a aproximação deste. Quantas voltas, quantas informações contraditórias, quantas mudanças de rumo! Num mesmo dia o protagonista K. (identificado apenas pela inicial, ao contrário dos demais personagens) é chamado, repelido, convidado, expulso, enganado, ajudado, ofendido, algumas vezes mais de uma vez e pela mesma pessoa. A frase que começa elogiosa termina crítica, o pedido de desculpas se transforma em acusação.

A obra de Kafka ficou associada à crítica da burocracia e muita gente vê a burocracia como um organismo vivo, com vontade própria, mas o que dizer das pessoas? Da mão que se estende, mas logo recua, cautelosa? Da resposta que não se compromete e muda de rumo no meio da frase, fazendo um giro completo e terminando de volta onde começou, como se o autor quisesse se certificar de que não poderá ser chamado a prestar contas mais tarde? Da oferta de ajuda que se metamorfoseia em pedido de favor, de modo que o "ajudado" termina mais pobre do que começou e ainda sai agradecendo pela oportunidade recebida?

Alguém precisa ser o primeiro a dizer que a gente já passou da idade de fazer joguinhos e, que perguntas diretas e respostas objetivas vão nos levar, a todos, mais longe.

E, sim, em algum momento desta diatribe eu deixei Kafka pra trás, mas obras de arte são assim mesmo, eu acho: abrem portas para novas questões além daquelas pensadas pelo autor. Ou isso, ou eu estou meio ranzinza hoje.

"Hochosterwitz 01052004 04" by Johann Jaritz - Own work. Licensed under Creative Commons Attribution-Share Alike 3.0-at via Wikimedia Commons

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