domingo, 3 de julho de 2016

A Outra Televisão

Há um mês atrás, a televisão da sala pifou e foi preciso comprar outra. Depois de pesquisar os preços na Internet, optamos por um modelo da Samsung à venda no site das Casas Bahia, onde tudo correu muito bem até a hora de pagar: após informar os dados do cartão de crédito e tentar concluir a transação, foi exibida uma mensagem dizendo que o número do cartão era inválido. Digita de novo, tenta outro cartão, mesma mensagem: "Número do cartão inválido". Lá pela quarta ou quinta tentativa, já no terceiro cartão de crédito, desisti. Encontrei o mesmo modelo praticamente pelo mesmo preço no site do Shoptime, fiz a compra sem maiores incidentes e não pensei mais no assunto.

Ou melhor, não pensei mais no assunto até aparecerem duas cobranças na fatura do cartão de crédito, uma de cada loja. Surpresa, fui vasculhar a caixa de entrada do Gmail e, realmente, perdida no meio de anúncios da coleção outono de lojas em que fiz compras uma vez há dez anos atrás, códigos de desconto de restaurantes e e-mails de recuperação de senha estava um e-mail das Casas Bahia informando que meu pagamento tinha sido aprovado, com número do cartão inválido e tudo.

"Esse conceito de número de cartão de crédito válido ou inválido é uma imposição da sociedade patriarcal, opressora e heteronormativa. Nós, das Casas Bahia, acreditamos que quem decide se o número é válido ou não é o próprio cartão de crédito."

Liguei, então, para as Casas Bahia e expliquei o que tinha acontecido. Trabalhando com TI há mais ou menos 5.268 anos, não fiquei exatamente surpresa quando a atendente me disse que, no sistema que ela estava consultando, o pedido ainda estava em aprovação de crédito. Como em qualquer empresa tipicamente zoneada, que acha que avanço tecnológico se mede pela quantidade de sistemas utilizados e não pela integração e qualidade dos ditos sistemas, é claro que a informação sobre a minha [tentativa de] compra estava espalhada e replicada em mais de um sistema. O sistema que enviou o e-mail de confirmação informando que o meu pedido tinha sido aprovado não é o mesmo sistema que o pessoal do atendimento consulta, os dois sistemas lêem a mesma informação em locais diferentes e, quando o sistema de vendas online deu seja qual for a pane que deu quando exibiu a mensagem de número do cartão inválido, foram gravados dois valores diferentes para a mesma informação.

O que me irritou realmente foi aquela resposta padrão que as centrais de atendimento gostam de usar pra ver se o cliente desiste e pára de encher o saco deles: a senhora liga de novo daqui a alguns dias pra ver se o status do pedido no sistema mudou para aí, sim, cancelar o pedido. Essa resposta é prima daquela outra: "O sistema está fora do ar; ligue novamente mais tarde".

Então, só pra esclarecer: eu ligo mais tarde para o mesmo número, para falar com um dos muitos atendentes intercambiáveis, e dizer a mesma coisa que eu já falei para o atendente atual. A única diferença é o que o atendente em questão vai fazer com a informação que eu dei. Já deu pra entender onde está o problema? Não haveria necessidade de eu repetir a minha parte da interação ipsis litteris se o processo de atendimento simplesmente contemplasse o fato de que existe vida fora do sistema. Bastaria o processo prever a possibilidade de a atendente registrar tudo o que eu disse em um campo de texto livre no sistema, no Bloco de Notas do Windows ou em uma folha de papel almaço e, assim que fosse possível, cancelar o pedido ou encaminhar a solicitação para o setor responsável.

"Olha a requisição do cliente chegando!"
© Shannon Fagan | Dreamstime.com - Hand holding paper airplane in office

Tanto reclamei que a atendente transferiu a ligação para a supervisora, que continuou repetindo a mesma ladainha até a hora em que eu ameacei colocar as Casas Bahia na justiça se aquela cobrança não sumisse da fatura do cartão de crédito antes da data de vencimento do cartão. Aí ela lembrou que há um endereço de e-mail para o qual eu podia encaminhar a fatura do cartão com a cobrança indevida. Que moça prestativa, né? Um pouco esquecida, é verdade, mas nada que uma menção a um processo judicial não resolva.

"Eu amo nossos clientes! <3 <3 <3"
Image courtesy of stockimages @ FreeDigitalPhotos.net

Alguns minutos depois, sem nem esperar que eu mandasse o e-mail, já me enviaram um e-mail me lembrando do procedimento pra cancelar a compra. Sabe como é, pra não correr o risco de eu esquecer e, distraidamente, ligar para o PROCON.

Me senti amada.

Já que eles tinham pedido com tanta educação, enviei a fatura do cartão e contei a história toda de novo, incluindo o número do pedido, o protocolo de atendimento da ligação e os nomes da atendente e da supervisora com quem tinha falado. Avisei a todo mundo em casa e ao porteiro do prédio para não receber nenhum pacote que as Casas Bahia entregassem, minha mãe notificou a administradora do cartão de crédito (tínhamos feito a compra no cartão dela) e tudo foi resolvido. Certo? Claro! As Casas Bahia me garantiram que sim!

Ele fez o sinal de polegar pra cima. Ninguém mentiria fazendo o sinal de polegar pra cima.

Pela quantidade de erros de português da mensagem, fica claro que ela foi escrita por um ser humano. Um ser humano que ficou de recuperação e passou com média mínima em Português em todos os anos de sua vida escolar até eventualmente abandonar os estudos, mas, ainda assim, um ser humano. Ou seja, alguém nas Casas Bahia leu a minha mensagem e está ciente da situação.

Algumas horas depois de este e-mail chegar, chegou também a televisão das Casas Bahia, mas eles já tinham avisado que ela estava com a transportadora e que era só não receber a entrega, então, tudo sob controle, né? Não aceitamos a televisão das Casas Bahia, no dia seguinte a do Shoptime chegou, tudo em paz no céu e na terra.

Até que, uma semana depois, este e-mail chegou.


Então, deixa eu ver se eu entendi. No dia 30/05, o pedido já estava com a transportadora. Mesmo que eu não acredite na palavra do baianinho do terceiro e-mail, o fato é que o pedido já tinha saído do depósito, já que tentaram entregar aqui em casa. Por outro lado, de acordo com este quarto e-mail que as Casas Bahia enviaram, foi só no dia 05/06 que a televisão foi embalada e encaminhada para a transportadora junto com uma versão impressa da nota fiscal. Então, se ela não estava com a transportadora no dia 30, quem foi que bateu na porta da minha casa com uma televisão de 48 polegadas debaixo do braço???

"A fada das televisões, boba! Quem mais poderia ser?"
© Kapu | Dreamstime.com - Fairy Photo

Vamos ao site das Casas Bahia resolver esse mistério consultando o histórico do suposto pedido da televisão. O desempate vai ser feito pela data que estiver lá.

Ah, droga.

Certo. A nota fiscal, então foi emitida no dia 26/05 e a televisão já estava com a transportadora no dia 27. Ainda assim, a tentativa de entrega feita no dia 30 aparentemente não foi feita pelas Casas Bahia, que só foi fazer a sua tentativa dois dias depois, em 01/06: puxa vida, se eu soubesse que no dia 30 era a fada das televisões, tinha recebido!

Na mesma data e hora (05/06/2016 20:49) do e-mail da nota fiscal chegaram também duas cópias do e-mail abaixo, me convencendo de vez que as Casas Bahia operam em uma fenda no continuum espaço-tempo.


É isso aí. No dia 05/06 o pedido foi coletado pela transportadora para chegar até o dia 01/06. Nada de estranho aí.

Enfim, datas à parte, a televisão nova já estava instalada e funcionando e o pagamento das Casas Bahia já tinha sido removido do cartão de crédito, então deixei pra lá e fui cuidar da minha vida. Até que...

"Dificuldades na região da entrega." "Bem, na verdade o cliente se recusou a receber o produto." "Tecnicamente, a recusa em receber o produto ocorreu na região da entrega. E foi uma dificuldade, certo?" "Sim." "Dificuldades na região de entrega." 

Lembra daquele pessoal super simpático do Serviço de Atendimento ao Cliente? Que me mandou um e-mail no dia 30/05 dizendo que bastava eu me recusar a receber o produto para que ele fosse devolvido ao centro de distribuição, a recusa de recebimento, registrada e o pagamento, estornado? Que disse, no mesmo e-mail, que se eu estivesse satisfeita com a resolução do meu contato não era necessário responder ao e-mail pois o atendimento seria finalizado automaticamente? Pois é.

Esse e-mail, por sinal, foi enviado não uma vez, mas duas. E mais recentemente, na semana passada, ligaram aqui pra casa, mas num horário em que eu não estava em casa. Também recebi duas ligações no celular que caíram quando eu atendi e que podem ou não ter sido das Casas Bahia, tentando a todo custo me fazer receber a bendita televisão.

Não sei quanto a vocês, mas para mim aquele slogan "Dedicação total a você" está adquirindo um tom menos de comprometimento com a satisfação do cliente e mais de ex obcecado com você que não aceita que a relação acabou.

"Bom dia! Viemos entregar a televisão."
© Ljupco | Dreamstime.com - Scared Young Woman Lying In Bed Photo

Um comentário:

  1. aff maria naaam...
    comprei um ventilador pelas casas bahia com um pé atrás, e depois que vi muita gente inclusive pessoas proximas de mim reclamando sem dúvidas sera a ultima compra que faço nessa empresa! Espero receber o produto no prazo tbm e todo certinho
    #MEDO

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