quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Improváveis e Necessárias Alianças

Na semana passada, assisti "Uma Longa Queda". Estava listado no catálogo de filmes da Net como comédia, mas, em primeiro lugar, eu já tinha assistido o trailer e sabia que não era uma comédia e, em segundo lugar, alguém ainda leva a sério alguma coisa que a Net diz?

"Sua ligação é muito importante para nós."
(Image courtesy of David Castillo Dominici at FreeDigitalPhotos.net)

Assim, assisti "Uma Longa Queda" e gostei muito do filme. É a estória de quatro pessoas que nunca tinham se visto antes até o dia em que os quatro resolvem, por motivos diferentes, se matar. O problema é que todos os quatro escolhem a mesma forma de suicídio: se jogar do alto de um prédio. Do mesmo prédio. No mesmo dia (31 de dezembro) e no mesmo horário. Os primeiros a chegar ainda tentam seguir a programação original, se organizando na base do "quem chegou primeiro", "quem vai na frente", mas depois de algum tempo, sem conseguir um mínimo de privacidade nesse momento que já seria bastante difícil mesmo em circunstâncias menos tumultuadas, os quatro acabam desistindo e descendo de lá pelas vias tradicionais, mesmo. Não vou entrar em detalhes sobre o resto do filme para não estragar para quem quiser assistir, mas a partir daí a vida dos quatro acaba se esbarrando várias outras vezes e se entrelaçando, algumas vezes de livre e espontânea vontade e outras, a contragosto. Nem tudo que está quebrado na vida de cada um pode ser consertado e o filme não termina com um "e viveram felizes para sempre", mas com uma (mais realista) nota de esperança.

Este filme me lembrou, de certa forma, um outro filme que eu assisti há muitos (muitos!) anos atrás: "Grand Canyon – Ansiedade de Uma Geração" conta a estória de um grupo bastante heterogêneo de pessoas que vive em Los Angeles. Alguns já se conhecem quando o filme começa, outros não, uns são mais felizes que outros, mas todos têm em comum uns com os outros e com os personagens de "Uma Longa Queda" uma qualidade muito humana que os torna bastante críveis, fáceis de reconhecer e de se identificar com eles. São pessoas boas que às vezes fazem coisas ruins, pessoas inteligentes que ocasionalmente tomam decisões idiotas e, principalmente, são pessoas que sabem que a vida nem sempre é simples e nem sempre é fácil, as regras do jogo às vezes não são claras, não tem savepoint e não dá pra pausar o jogo. Em suma, que ser adulto é fogo.

E às vezes ninguém te conta qual é a senha do WiFi.
(Image courtesy of stockimage at FreeDigitalPhotos.net)

Assim como acontece em "Uma Longa Queda", ainda que por motivos distintos, a vida dos personagens de "Grand Canyon – Ansiedade de Uma Geração" se esbarra e se cruza de diferentes formas e em diferentes momentos ao longo do filme. E o que diferencia esses encontros de tantos outros encontros ao longo da vida é que, de repente, essas pessoas se reconhecem. Se reconhecem não no sentido de já terem se encontrado antes, mas no sentido de perceber, de alguma forma, um possível aliado na pessoa à sua frente, nesse jogo confuso em que o adversário muitas vezes usa uma camisa da mesma cor da nossa e só é reconhecido ao jogar a bola direto na nossa cara.

Basicamente isto, mas todos os jogadores usam camisas da mesma cor, dois terços deles sabem qual é o seu joelho fraco e pelo menos dois carregam um estilete escondido. E o juiz às vezes está distraído atualizando seu status no Facebook.
(Image courtesy of pal2iyawit at FreeDigitalPhotos.net)

Existe muita gente ruim no mundo, mas também existe muita gente boa. A questão é que este é um mundo muito, muito grande e as pessoas boas acabam ficando meio dispersas por aí. Por isso é importante não perdê-las de vista uma vez que as encontremos. As pessoas que têm valores semelhantes aos nossos, as pessoas que nos fazem as perguntas difíceis, as pessoas que nos incentivam a sermos, nós mesmos, pessoas melhores.

A gente as encontra por aí. Esbarra com elas e às vezes tem a sorte de reconhecê-las antes que cada um siga o seu caminho e os dois se percam novamente na multidão. A gente mora no apartamento em frente ao delas, trabalha com elas, namora com elas, estuda com elas. E uma parte da gente — a parte mais esperta da gente — reconhece essas pessoas e sabe que mesmo mudando de emprego, terminando o namoro ou se mudando para Timbuktu, a gente não deveria se permitir perder essas pessoas. E que um aliado não é necessariamente uma pessoa que desembainha sua espada e vai lutar ombro a ombro com você no campo de batalha; pode ser simplesmente alguém que está por perto lutando suas próprias batalhas, mas que, se preciso, vai dividir um cantil de água com você, bater nas suas costas e dizer "Vai lá, acaba com eles."

"No fim do dia a gente se encontra aqui de novo, combinado? Se eu sobreviver, o chope é por minha conta hoje."
(Image courtesy of Colin Broug at FreeImages)

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