sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Pelo Direito de Usar Luto

Atualmente não se usa mais luto. Ninguém se veste de preto (ou de branco: ouvi dizer que em certas culturas a cor do luto é o branco) quando morre uma pessoa querida. Sofre-se, é verdade, do mesmo jeito: a cor da roupa não faz ninguém sofrer nem mais, nem menos. Mas não se usa luto, não se veste nenhuma roupa ou cor específica para demonstrar exteriormente a dor interior.

E, embora a dor da perda seja, sem dúvida, algo interno e que independe de manifestações externas, me peguei recentemente pensando que não seria uma ideia assim tão ruim vestir luto e, assim, indicar ao resto do mundo que algo valioso foi perdido. Deveria-se poder usar luto não só pela morte de uma pessoa querida, mas por qualquer perda. Pelo fim do casamento, pela promoção que não saiu, pela amizade que não era tão sólida quanto parecia, pelo projeto que fracassou, pela pessoa que não quis ou não pôde retribuir o afeto, por tudo o que foi perdido e por tudo o que parecia que poderia ser conquistado mas acabou se revelando inacessível.

Sem necessidade de maiores explicações, o traje de luto já é informação suficiente para evitar comentários bem-intencionados mas nem sempre bem-vindos do tipo "Nossa, você está tão quieto(a) hoje!", "Por que você está tão sério(a)?", "Está chateado(a) com alguma coisa?". O traje de luto funcionaria como um letreiro luminoso sobre a cabeça do enlutado: "Não, esta pessoa não está com raiva de você. Ela não está achando a comida ruim, não ficou ofendida com o tom do e-mail nem achou a piada sem graça. Ela apenas está de luto. Deixa ela em paz. Ou então oferece chocolate."

Uma pessoa chateada pode ser animada com uma piada, uma happy hour, uma boa notícia. Uma pessoa de luto já tem problemas suficientes sem precisar fingir que está se divertindo para que as pessoas bem-intencionadas parem de perguntar se está tudo bem. Imagina estar com uma perna quebrada e ficarem perguntando todo dia: "E agora? Você já sarou? Se eu fizer uma massagem, ajuda?". As pessoas não fazem isso, e sabe por quê? Porque você está usando uma bota imobilizadora enorme que deixa bem claro que não, você não vai jogar futebol hoje e não se trata de corpo mole.

O luto não é uma forma de negociação, para as pessoas se sentirem mal por você e te darem o que você quer: vestir luto é uma forma de admitir a derrota, de reconhecer que é "game over" e que o que foi perdido não vai voltar. O luto é final.

Ao mesmo tempo, o luto é passageiro. Ele pode durar dias, semanas ou meses, mas um dia ele passa. E, nesse dia, basta despir o véu, tirar do armário aquela blusa vermelha e sair para a rua, novamente sem precisar explicar nada para ninguém. Sem alarde e sem grandes manifestações.

Eu acho que a gente devia vestir luto sempre que fosse necessário. Sem explicações, porque cada um sabe de si e sabe onde dói. Não importa se um é demitido e segue em frente sem se abalar e o outro quebra um copo e senta no chão e chora. O luto é democrático: todo mundo já sabe, só de olhar para você, que não importa o que aconteceu, importa é que te deixou sem chão. Talvez você conte para as pessoas mais próximas o que aconteceu. Talvez, mais cedo ou mais tarde, todo mundo acabe sabendo de qualquer jeito. Ou talvez você guarde tudo a sete chaves e nunca, jamais conte pra ninguém. De uma forma ou de outra, todo mundo deveria poder passar pelo seu período de luto sempre que necessário, sem precisar compartilhar mais do que quisesse, mas também sem ficar com o maxilar doendo de tanto sorrir sem vontade.

Pronto, falei.

Image courtesy of Stop2pray @ FreeImages

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