domingo, 26 de maio de 2013

O Presente da Confiança

Fala-se muito de como é mais difícil reconquistar a confiança perdida do que conquistá-la da primeira vez. Eu acho, porém, que a questão não é nem essa, de conquistar ou reconquistar. Porque confiança não se conquista. Confiança é uma coisa que a gente recebe de graça e se esforça (ou, pelo menos, deveria se esforçar) para estar à altura dela. Porque, convenhamos, como é que você prova que merece ou não a confiança de alguém sem a pessoa dar o primeiro e mais difícil passo de confiar em você? É como a piada do golpista que é preso depois de aplicar o conto do vigário em alguém. O delegado lhe pergunta se ele não tem vergonha de enganar alguém que confiou nele e o malandro rebate: "Mas, seu delegado, como é que eu ia enganar alguém que não confiasse em mim?".

Confiança é mais mérito de quem a dá do de quem a recebe. Da parte de quem oferece a confiança, é um gesto generoso; da parte de quem a recebe, é basicamente "não ser um asno e estragar tudo". Sério, a outra pessoa já fez a parte difícil ao assumir o risco de confiar em você: a sua única tarefa é se comportar como um ser humano decente.

Merecer a confiança de uma pessoa não significa que você tenha que fazer nada por ela. Significa apenas que você não a deixa acreditar que vai fazer aquilo que não tem intenção nenhuma de fazer. E que, caso lhe dê motivo para acreditar que vai fazer alguma coisa, você realmente faz. Não importa se é dar uma carona, guardar um segredo, não sair com outras pessoas, emprestar dinheiro, devolver o dinheiro emprestado, dar um recado para alguém. Se você não pretende fazer, deixe claro para a outra pessoa. E, quando eu digo deixe claro, quero dizer que não vale dizer "mas eu nunca disse que...", "mas como eu ia imaginar que você esperava que...". Quando pede um prato em um restaurante, você não especifica que é para trazer também talheres para servir a comida, nem o garçom confirma antes de anotar o pedido: "O senhor pretende pagar, né? Trouxe a carteira?". Certas coisas estão subentendidas e não pega nada bem se fazer de desentendido e dizer que jamais poderia imaginar que o outro esperava isso de você.

"Você deixou em cima da mesa... Eu achei que fosse pra mim!"
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É claro que mesmo as pessoas mais confiantes e de coração mais aberto tendem a ser tanto mais cautelosas quanto mais valioso é o aspecto da sua vida que elas estão prestes a confiar aos cuidados de outrem. A confiança normalmente é oferecida aos poucos: a pessoa só abre a porta para o próximo nível de confiança quando o outro já passou algum tempo no nível atual sem fazer nenhum estrago.

"Não, eu disse 'dar comida PRO peixe', e não... Quer saber? Deixa pra lá. Você volta a ficar encarregado só de tirar o pó das plantas de plástico."
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E, mesmo assim, cada novo nível de confiança é um risco que a pessoa que confia está assumindo; o mero fato de ela deixar que você permaneça no nível atual já não é pouca coisa. Porque essa é a coisa mais incrível sobre a confiança: ela precisa ser renovada a cada dia. O ser humano é uma criatura tão... peculiar, pra usar um termo delicado, que é capaz de passar anos sem fazer nada para desmerecer a confiança de outra pessoa até que um dia, sem premeditação e sem aviso, coloca tudo a perder com um único golpe que deixa o outro completamente sem chão.

Por isso, confiança não é um direito adquirido nem é gratificação por tempo de serviço. É um presente que deve ser recebido com gratidão e humildade e tratado com o cuidado que merecem as coisas muito frágeis e muito valiosas.

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