Expressões idiomáticas são coisas interessantes. Algumas vezes, uma expressão é repetida exatamente do mesmo jeito em vários idiomas, dando a impressão (pra mim, leiga, pelo menos) de que surgiu em algum lugar e foi sendo traduzida para outros idiomas à medida que foi se difundindo. Malhar enquanto o ferro está quente, por exemplo, tem seu correspondente em inglês ("strike while the iron is hot"), espanhol ("golpear mientras el hierro está caliente") e italiano ("battere il ferro finché è caldo"), entre outras. Se existem em outros idiomas metáforas diferentes para essa mesma ideia, desconheço.
Há, por outro lado, casos em que culturas diferentes têm metáforas diferentes para o mesmo conceito. É o caso da gota d'água que transborda o copo: é uma expressão usada em vários idiomas ("la gota que colma el vaso", "la goccia che fa traboccare il vaso"), mas em inglês fala-se da palha que quebra as costas do camelo ("the straw that broke the camel's back") para referir-se a uma ofensa que, embora pequena, é a última de uma longe série de ofensas, maiores ou menores, que foram se acumulando até finalmente ultrapassar o limite do tolerável. É como se a ideia tivesse surgido de forma independente em dois lugares diferentes e cada povo tivesse criado a sua própria metáfora para ela. Embora esse seja, repito, um palpite leigo sem absolutamente nenhum embasamento teórico ou experimental, eu gosto dessa ideia porque certas coisas são tão inerentes à natureza humana que pessoas diferentes de culturas diferentes podem expressar o mesmo conceito mesmo sem ter se falado nem combinado antes.
Grandes coisas geralmente não são perdidas de um só golpe, mesmo que assim pareça ao observador desavisado, e sim em uma sucessão de golpes que culminam na proverbial gota d'água que faz com que o copo transborde e choca quem, por ignorância ou preguiça, pretende analisar o caso pela ótica desse último golpe apenas. E assim o copo transbordado parece um exagero, uma reação desproporcional. Olhando para trás, no entanto, é possível ver as gotas caindo e a água gradativamente se acumulando no copo que, ao contrário do que se gostaria de acreditar, não tem capacidade infinita. Copos transbordam, sim, e, quando já estão cheios até a borda, basta uma gota. Muitas vezes, onde há uma pessoa indignada com tamanha intolerância e falta de flexibilidade, há também outra pessoa que um dia caiu em si e pensou "Eu estou me esforçando pra manter essa relação por que, mesmo?"
Ceder, relevar, aceitar as diferenças, tudo isso faz parte de qualquer relacionamento, seja ele amoroso, de amizade ou mesmo profissional. O problema é se você um dia percebe que, de diferença em diferença, já relevou tanta coisa que não existe mais afinidade suficiente para sustentar a relação. Quando a pergunta "Mas o que você vê nele (ou nela)?" deixa de ter uma resposta fácil e pronta, é um bom sinal de que a relação precisa, no mínimo, ser reavaliada.
Há muito tempo, eu assisti um filme chamado "O Leão no Inverno", que apresentava alguns dias na vida do rei Henrique II da Inglaterra, sua esposa Eleanor e seus três filhos. Mais tarde, a leitura do livro "O Crepúsculo da Águia", segundo volume da série "A Saga dos Plantagenetas", de Jean Plaidy, deu um pouco mais de contexto para a história do filme, contando a história de Eleanor de Aquitânia desde que ela, casada com o Rei Luís VII da França, se apaixonou por Henrique Plantageneta, na época um mero pretendente ao trono da Inglaterra ocupado então pelo primo da sua mãe. Dividida entre a ambição e a paixão, Eleanor resolveu o problema conseguindo a anulação do seu casamento com Luís por consanguinidade, casando-se com Henrique menos de dois meses depois (o primeiro filho nasceu no tempo cravado para a história de "foi concebido na lua de mel" colar) e ajudando-o a conquistar o trono da Inglaterra. E, quando eu digo "ajudando", não quero dizer "dando apoio moral": Duquesa da Aquitânia por direito próprio (e não por ser casada com um duque), Eleanor hoje é considerada uma das mulheres mais poderosas e influentes da Idade Média. Mas eu estou me afastando do assunto: o que eu queria falar é da grande paixão deles e do fim triste que teve, com ela tramando a derrubada dele pelos filhos e ele a encarcerando pelo resto da vida.
O filme conta só alguns dias desse período final da relação, quando Henrique permite que ela saia temporariamente do castelo onde vive como prisioneira para celebrar o Natal de 1183 com ele e os filhos. Katharine Hepburn ganhou o Oscar de Melhor Atriz por seu desempenho como Eleanor e Peter O'Toole foi indicado para Melhor Ator como Henrique II. O filme é excelente, muito bonito e muito triste, e contém um trecho de diálogo que me impressionou na época e que eu nunca esqueci.
Há, por outro lado, casos em que culturas diferentes têm metáforas diferentes para o mesmo conceito. É o caso da gota d'água que transborda o copo: é uma expressão usada em vários idiomas ("la gota que colma el vaso", "la goccia che fa traboccare il vaso"), mas em inglês fala-se da palha que quebra as costas do camelo ("the straw that broke the camel's back") para referir-se a uma ofensa que, embora pequena, é a última de uma longe série de ofensas, maiores ou menores, que foram se acumulando até finalmente ultrapassar o limite do tolerável. É como se a ideia tivesse surgido de forma independente em dois lugares diferentes e cada povo tivesse criado a sua própria metáfora para ela. Embora esse seja, repito, um palpite leigo sem absolutamente nenhum embasamento teórico ou experimental, eu gosto dessa ideia porque certas coisas são tão inerentes à natureza humana que pessoas diferentes de culturas diferentes podem expressar o mesmo conceito mesmo sem ter se falado nem combinado antes.
Grandes coisas geralmente não são perdidas de um só golpe, mesmo que assim pareça ao observador desavisado, e sim em uma sucessão de golpes que culminam na proverbial gota d'água que faz com que o copo transborde e choca quem, por ignorância ou preguiça, pretende analisar o caso pela ótica desse último golpe apenas. E assim o copo transbordado parece um exagero, uma reação desproporcional. Olhando para trás, no entanto, é possível ver as gotas caindo e a água gradativamente se acumulando no copo que, ao contrário do que se gostaria de acreditar, não tem capacidade infinita. Copos transbordam, sim, e, quando já estão cheios até a borda, basta uma gota. Muitas vezes, onde há uma pessoa indignada com tamanha intolerância e falta de flexibilidade, há também outra pessoa que um dia caiu em si e pensou "Eu estou me esforçando pra manter essa relação por que, mesmo?"
Ceder, relevar, aceitar as diferenças, tudo isso faz parte de qualquer relacionamento, seja ele amoroso, de amizade ou mesmo profissional. O problema é se você um dia percebe que, de diferença em diferença, já relevou tanta coisa que não existe mais afinidade suficiente para sustentar a relação. Quando a pergunta "Mas o que você vê nele (ou nela)?" deixa de ter uma resposta fácil e pronta, é um bom sinal de que a relação precisa, no mínimo, ser reavaliada.
Há muito tempo, eu assisti um filme chamado "O Leão no Inverno", que apresentava alguns dias na vida do rei Henrique II da Inglaterra, sua esposa Eleanor e seus três filhos. Mais tarde, a leitura do livro "O Crepúsculo da Águia", segundo volume da série "A Saga dos Plantagenetas", de Jean Plaidy, deu um pouco mais de contexto para a história do filme, contando a história de Eleanor de Aquitânia desde que ela, casada com o Rei Luís VII da França, se apaixonou por Henrique Plantageneta, na época um mero pretendente ao trono da Inglaterra ocupado então pelo primo da sua mãe. Dividida entre a ambição e a paixão, Eleanor resolveu o problema conseguindo a anulação do seu casamento com Luís por consanguinidade, casando-se com Henrique menos de dois meses depois (o primeiro filho nasceu no tempo cravado para a história de "foi concebido na lua de mel" colar) e ajudando-o a conquistar o trono da Inglaterra. E, quando eu digo "ajudando", não quero dizer "dando apoio moral": Duquesa da Aquitânia por direito próprio (e não por ser casada com um duque), Eleanor hoje é considerada uma das mulheres mais poderosas e influentes da Idade Média. Mas eu estou me afastando do assunto: o que eu queria falar é da grande paixão deles e do fim triste que teve, com ela tramando a derrubada dele pelos filhos e ele a encarcerando pelo resto da vida.
O filme conta só alguns dias desse período final da relação, quando Henrique permite que ela saia temporariamente do castelo onde vive como prisioneira para celebrar o Natal de 1183 com ele e os filhos. Katharine Hepburn ganhou o Oscar de Melhor Atriz por seu desempenho como Eleanor e Peter O'Toole foi indicado para Melhor Ator como Henrique II. O filme é excelente, muito bonito e muito triste, e contém um trecho de diálogo que me impressionou na época e que eu nunca esqueci.
Eleanor: How, from where we started, did we ever reach this Christmas?
Henrique: Step by step.
Eleanor: Como, começando onde nós começamos, pudemos chegar até este Natal?Passo a passo. Gota a gota. Até que o copo transborda.
Henrique: Passo a passo.
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