sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Móvel de Inox, Barraco de Inox - a Treta da Alezzia

Se você ainda não ouviu falar da mais recente treta polêmica envolvendo a loja de móveis Alezzia, ou se ouviu falar mas não entendeu nada, hoje é o seu dia de sorte porque eu vou explicar tudo bem mastigadinho e ainda vou oferecer, de brinde, a minha opinião sobre o assunto. É praticamente uma Black Friday da treta!

Antes de começar a contar a história, porém, já vou logo avisando que não vou colocar link para as páginas envolvidas pelo seguinte motivo: esta é, essencialmente, uma batalha de cliques, curtidas e avaliações virtuais e como, na minha opinião, todos os envolvidos estão, em maior ou menor grau, errados, eu não estou aqui pra ficar dando ainda mais moral pra esses doidos.

Dito isso, senta aí que vai começar a Hora da História.

"Era uma vez, em uma terra tão. tão distante chamada Tretalândia..."
© Highwaystarz | Dreamstime.com - Group Of Pre School Children Listening To Teacher Reading Story Photo

Tudo começou no dia 12 de dezembro, quando o dono da loja de móveis Alezzia fez um comentário infeliz em um grupo de discussão do Facebook chamado Behance Brasil, cujo público é constituído por gente que trabalha ou se interessa por design gráfico, desenho industrial, arquitetura, fotografia, web design e afins.

No seu post, o camarada afirmou que praticamente não havia trabalhos de design gráfico de qualidade feitos por mulheres e lançou a pergunta: essa falta de representatividade seria por acaso devido ao fato de que homens são melhores designers que as mulheres?

"Meu post vai ser bem legal e todo mundo vai curtir e vão me coroar rei da Internet."
© Gaudilab | Dreamstime.com - In The Shot Man's Hands Working On Computer Photo

Daí, já viu, né? Escreveu, clicou no botão de Enviar, um, dois, três e já: começou a treta. As mulheres do grupo não gostaram do post sem noção e responderam. Muitas reclamaram, postaram links para seus próprios trabalhos ou de outras mulheres, homens também postaram dando seu apoio às colegas de profissão, até que o assunto se esgotou naturalm... hahaha, claro que não, né? Aqui é a Internet, amor, o assunto não se esgota enquanto não houver pelo menos uma ameaça de morte, uma comparação com Hitler e com o nazismo e cinco hashtags novos.

Dentre todas as mulheres ofendidas, uma resolveu levar o assunto para além do grupo de discussão e até a página da empresa do indivíduo. Chegando lá, ela descobriu que o cara, na verdade, é super a favor da participação das mulheres no design gráfico. Especialmente se a participação da mulher for posar de maiô cavado empoleirada em cima de um móvel. Estratégia brilhante de marketing, né? Posso até imaginar os homens entrando no site, olhando as fotos e pensando, "puxa, fiquei um tempão aqui secando a menina, agora tenho que pelo menos comprar uma cadeira."

A moça ofendida então riu muito, concluiu que com uma propaganda ruim dessas o cara já é o seu próprio pior inimigo, deixou o assunto pra lá e foi cuidar da própria vida. Ou melhor, isso é o que eu teria feito. Ela, não. Ela resolveu bater boca com o cara na própria página da empresa dele, na frente de todos os funcionários e clientes. Um cara elegante desses, com toda a classe que já tinha demonstrado no post original e na campanha de marketing da sua empresa, claro que deu uma resposta adulta e madura do tipo "o que vem de baixo não me atinge".

É que nem quando você estava na escola e tinha duas crianças batendo boca durante o recreio. Se ninguém interviesse a tempo, chegava a hora em que um dos dois dizia alguma coisa e aquele colega quizumbeiro gritava lá de trás: "Iiiiih! Se fosse comigo, eu não deixava!" Quando isso acontece, ferrou: não tem mais volta. Essa hora, no caso, foi quando a moça disse que ia fazer propaganda negativa da empresa pra todo mundo que ela conhecia, incentivando todos a entrarem na página da empresa e darem uma estrela, a nota mais baixa possível.

"Bri-ga! Bri-ga! Bri-ga!"
© Luislouro | Dreamstime.com - Kid's Fight Photo

E aí eu pergunto, com toda a seriedade: em um momento de crise como este que o país vive, com empresas fechando, contratos não sendo renovados e gente sendo demitida aos montes, vale a pena você prejudicar uma empresa inteira, com todos os seus funcionários e fornecedores, só porque o dono é um sem noção qualquer? Eu sou a primeira a concordar que o comentário sobre o talento feminino (ou, no caso, a falta dele) foi desnecessário e que as propagandas são bem toscas, sim. Mas, gente, na atual conjuntura, quantas pessoas estão podendo se dar ao luxo de só trabalhar em empresas cujos donos compartilham de seus valores? Os funcionários, fornecedores e todos os demais que dependem dessa empresa não estão (que eu saiba) compactuando com exploração de mão de obra infantil, tráfico de pessoas ou lavagem de dinheiro. É justo eles se ferrarem junto com o dono da empresa?

Mas, como eu disse, depois do "iiiiih!" não tem mais volta. Ao escutar a ameaça, o camarada não apenas não recuou como ainda mandou um "du-vi-de-ó-dó" na cara da moça: disse que se ela conseguisse fazer a avaliação da empresa baixar até chegar a 1,1 ganharia R$ 10.000,00 em cupons da loja.

Foi nesse momento que a briga saiu do pátio do recreio e adentrou o território das brigas de torcida.

Onde tudo é sempre resolvido na base do diálogo.
© Bidermann | Dreamstime.com - Hooligans Photo

Quando a nossa amiga designer (vocês estão lembrados, né, que todo esse barraco começou com um comentário sobre a qualidade do trabalho das mulheres que trabalham com design gráfico) começou a fazer campanha contra a empresa, as avaliações negativas começaram a chover e a nota da empresa, a cair.

Antes que a nota chegasse à marca fatídica de 1,1, a empresa contra-atacou dizendo que, se não chegar a 1,1 até 31/01/2017, eles farão uma doação (também em cupons da loja) à AACD - Associação de Assistência à Criança Deficiente (entidade essa, diga-se de passagem, que entrou de gaiata nessa história e por isso merece ter o link para sua página divulgado aqui). E tem mais: a doação será tão maior quanto mais alta seja a nota da empresa. Ou seja, se você der qualquer nota menor do que a máxima para a empresa talvez as criancinhas deficientes venham a receber menos ajuda do que poderiam ter recebido se você tivesse dado cinco estrelas. Seu monstro.

"E depois vão me dar o Prêmio Nobel da Paz e fazer um filme sobre mim."
© Gaudilab | Dreamstime.com - In The Shot Man's Hands Working On Computer Photo

Resultado: agora, além de um monte de gente dando nota 1 para a empresa sem nunca ter visto um único produto deles, só para fazer a nota cair até 1,1 e conclamando todo mundo que conhece a fazer o mesmo contra a exploração da sexualidade feminina, tem também outro tanto de gente dando nota 5 para uma empresa da qual até ontem nunca tinha ouvido falar só para fazer a nota chegar a 4,6, e conclamando todo mundo que conhece a fazer o mesmo contra a ditadura do politicamente correto. Ou seja, se você pretendia comprar móveis na Alezzia pode esquecer a avaliação do consumidor na página da empresa porque aquilo ali não serve pra mais nada. E nem pense em consultar os comentários na página, que está uma praça de guerra, com qualquer discussão sobre a qualidade dos serviços e dos produtos soterrada sob camadas e mais camadas e mais camadas de bate-boca.

"Jesus amado, eu não perguntei se feminista raspa a perna ou não: eu só quero saber se eles entregam no prazo!..."
© Dolgachov | Dreamstime.com - Stressed Woman With Computer Photo

E, pra ficar ainda mais bacana, a cereja do bolo: a briga já chegou na página da AACD também, onde agora tem um bando de doidos exigindo da entidade um posicionamento a respeito da treta. Ou seja, os caras estão ali vivendo de doação e o povo querendo que eles decidam se vão ou não aceitar dinheiro com base no posicionamento sócio-político-econômico do doador.

"Você tem certeza? Porque esse dinheiro tinha caído no esterco e..." "A GENTE LAVA!"
© Elnur | Dreamstime.com - Young Businesswoman Photo

Moral da história: está todo mundo errado. Menos você, AACD: você é legal.

E olha só que beleza: dá pra doar pra AACD sem gastar nadinha nem entrar nessa guerra de avaliações: é só cadastrar a nota fiscal daquele produto que você comprou em São Paulo (seja na loja física ou online).

E deixa os doidos se matarem lá na página da Alezzia.