Como já se passou bastante tempo, acho que já dá pra contar a história do gatinho sem queimar o filme de ninguém. Esta é uma história 100% verdadeira, que aconteceu em uma instituição na qual eu trabalhei, cujo nome será omitido para preservar os envolvidos.
Nesta época eu trabalhava para uma empresa de desenvolvimento de software. Meu trabalho, porém, não era executado dentro da empresa, e sim dentro da empresa do cliente. E que conste, para dar o clima da história, que a empresa do cliente é uma instituição conhecida por sua formalidade e senso de hierarquia.
Eu tinha um mês de casa quando o episódio do gatinho ocorreu. Eu e outra colega (essa, coitada, admitida há uma semana, apenas) tínhamos acabado de escovar os dentes na volta do almoço e nos preparávamos para voltar para nossa sala quando, ao abrirmos a porta do banheiro, eis que entrou correndo uma outra colega de trabalho carregando nos braços alguma coisa embrulhada em um casaco.
"Fecha a porta, fecha a porta!" ela pediu com urgência e nós, surpresas, obedecemos.
Só então ela revelou que, aconchegado nas dobras do casaco, tinha contrabandeado para dentro da empresa do cliente... um gatinho. O bichinho, coitado, parecia ainda mais perplexo do que nós duas: nem miava, de tão atarantado.
Nossa colega explicou, então, que tinha encontrado o gatinho quando voltava, ela própria, do almoço, escondido no estacionamento e em vias de ser atropelado por um carro que saía. Resgatou o bichinho, mas não podia levá-lo para casa ainda, pois tinha uma reunião dali a pouco. A solução mais lógica que lhe ocorreu, então, foi aquela: levar um gato para dentro da empresa do cliente e deixá-lo escondido em algum lugar até o fim da reunião, quando então ela pediria licença para sair mais cedo e iria para casa com ele.
Até aqui, tudo bem, né? Plano sólido, à prova de falhas.
Começaram então as providências para acomodar o gatinho enquanto a reunião não terminasse. Uma terceira colega de trabalho, enviada à procura de uma caixa, voltou com uma cesta de lixo vazia, dessas pequenas que ficam ao lado da mesa do escritório. O gatinho foi devidamente instalado lá e a cesta, devolvida à sua localização original, ao lado da mesa da nossa colega resgatadora de gatinhos. Esta, por sua vez, colocou o seu manto de invisibilidade casaco dobrado em cima da cesta de lixo, meio que tampando a cesta para que quem passasse por lá não notasse o bichinho lá dentro. E aí virou-se para aquela primeira colega de trabalho, a tal que só tinha uma semana de casa, e colocou na mão da pobre um pacote de ração para gatos com a recomendação de, caso o gatinho miasse, dar-lhe um pouco de ração para acalmá-lo.
Todo mundo está visualizando a cena? A pessoa tirando um pacote de ração para gatos de dentro da bolsa no meio do expediente? Pois é.
Eu questionei: "Mas você não disse que encontrou o gatinho na volta do almoço, já dentro do estacionamento da empresa?"
E a resposta dela: "Eu sempre carrego um pacote de ração comigo, para alguma eventualidade." E eu aqui, me achando muito prevenida porque sempre tenho um alicate de cutícula na bolsa.
Enfim, lá se foi ela para a tal reunião. Na sala, ficamos: eu, a colega encarregada de alimentar o gato, os programadores, que não sabiam de nada, e pelo menos uma meia dúzia de clientes. E aqui vocês precisam entender que aquela sala tinha dias em que era um verdadeiro mercado persa: uma falação, telefone tocando, um tal de gente indo de lá pra cá, arrastando cadeira, batendo porta, que só com fone de ouvido pra conseguir se concentrar no trabalho. Neste dia, porém, parece que todo mundo estava se sentindo super zen: a sala estava tão sossegada que dava para ouvir até o tec-tec dos teclados.
Até o primeiro miado. Baixinho, né, porque o gatinho era realmente bem pequenininho e estava, muito justificadamente, ressabiado: foi mais uma tentativa de miado, mas, na sala silenciosa, bastou para fazer algumas cabeças se levantarem. Quando o ruído não se repetiu e ninguém enxergou nada de anormal, no entanto, quem tinha levantado a cabeça voltou novamente a atenção para o trabalho e o sossego voltou.
Até o segundo miado. Mais alto, agora, porque o gatinho já devia estar começando a ficar aflito. Novamente, algumas pessoas ergueram a cabeça, outras olharam em volta. Mais tarde me disseram que, do lado do cliente (a maioria deles ficava meio afastada do resto de nós), uma pessoa comentou com outra, achando que fosse brincadeira dos programadores: "Eles imitam direitinho, né?".
A essa altura, a colega que tinha ficado encarregada (leia-se: tinha ficado sem jeito de recusar) da ração do gato levantou-se, muito sem graça, atravessou a sala e colocou um pouquinho de ração na cesta de lixo junto com o gatinho da forma mais discreta possível.
O problema é que despejar o conteúdo de um pacote de ração para gatos em uma cesta de lixo no meio de um escritório cheio de gente é uma coisa que, por definição, não é discreta. Na mesa bem ao lado da nossa se sentava justamente uma funcionária do cliente que, observando aquela cena, não teve como não perguntar o que ela estava fazendo. E a minha colega, que não tinha tido tempo de pensar uma mentira convincente ("É uma tradição minha, uma simpatia pro projeto ser bem-sucedido."), contou toda a história do resgate do gatinho.
Agora, ponham-se no lugar dessa pobre alma, cujo cargo situava-se na base da cadeia alimentar naquela sala. Sendo, ao contrário dos demais envolvidos, um ser humano são, ela sabia que era só uma questão de tempo até que toda a sala soubesse da presença do felino clandestino. E que, caso ela não se adiantasse e comunicasse o fato a alguém, seria cúmplice involuntária daquela trapalhada.
Assim, ela se levantou, foi até a mesa do superior mais próximo e passou o pepino adiante. Superior este que, obviamente, achou que ela estivesse de brincadeira, até que ela o levou até a cesta de lixo para ver com seus próprios olhos. Esta pessoa então deu meia-volta e buscou outra, que veio também com a mesma cara de incredulidade até espiar dentro da cesta e dar de cara com o gatinho que, a essa altura do campeonato, já devia achar que estava em um episódio de "Além da Imaginação" felino. Quando já tinha uns quatro parados em volta da cesta de lixo, todos olhando para dentro da cesta e coçando a cabeça, algum deles resolveu que aquilo decididamente não estava na descrição do seu cargo e foi buscar o chefe.
Infelizmente, eu não sei o que se passou quando o chefe deles marchou sala de reunião adentro e tirou o meu chefe de lá para prestar contas do episódio. Só sei que a colega resgatadora de gatinhos foi mandada para casa com seu amiguinho peludo e, pasmem vocês, não foi demitida, o que só prova que nessa área de TI só tem doido.
Menos eu, claro. Eu sou normal.
O problema é que despejar o conteúdo de um pacote de ração para gatos em uma cesta de lixo no meio de um escritório cheio de gente é uma coisa que, por definição, não é discreta. Na mesa bem ao lado da nossa se sentava justamente uma funcionária do cliente que, observando aquela cena, não teve como não perguntar o que ela estava fazendo. E a minha colega, que não tinha tido tempo de pensar uma mentira convincente ("É uma tradição minha, uma simpatia pro projeto ser bem-sucedido."), contou toda a história do resgate do gatinho.
Agora, ponham-se no lugar dessa pobre alma, cujo cargo situava-se na base da cadeia alimentar naquela sala. Sendo, ao contrário dos demais envolvidos, um ser humano são, ela sabia que era só uma questão de tempo até que toda a sala soubesse da presença do felino clandestino. E que, caso ela não se adiantasse e comunicasse o fato a alguém, seria cúmplice involuntária daquela trapalhada.
Assim, ela se levantou, foi até a mesa do superior mais próximo e passou o pepino adiante. Superior este que, obviamente, achou que ela estivesse de brincadeira, até que ela o levou até a cesta de lixo para ver com seus próprios olhos. Esta pessoa então deu meia-volta e buscou outra, que veio também com a mesma cara de incredulidade até espiar dentro da cesta e dar de cara com o gatinho que, a essa altura do campeonato, já devia achar que estava em um episódio de "Além da Imaginação" felino. Quando já tinha uns quatro parados em volta da cesta de lixo, todos olhando para dentro da cesta e coçando a cabeça, algum deles resolveu que aquilo decididamente não estava na descrição do seu cargo e foi buscar o chefe.
Infelizmente, eu não sei o que se passou quando o chefe deles marchou sala de reunião adentro e tirou o meu chefe de lá para prestar contas do episódio. Só sei que a colega resgatadora de gatinhos foi mandada para casa com seu amiguinho peludo e, pasmem vocês, não foi demitida, o que só prova que nessa área de TI só tem doido.
Menos eu, claro. Eu sou normal.
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