Antes de mais nada, quero deixar bem claro que, embora este post comece falando da eleição presidencial de 2014, ele não é sobre política. Dito isso, informo também que meu candidato não ganhou a eleição: concluam daí o que quiserem (ou não concluam nada, já que, como eu disse, este post não é sobre política).
É sobre pandas. Bom, não é, mas poderia ser, né? (Image courtesy of Emz452 at FreeImages) |
A questão é que, quando o último voto foi registrado no Acre e os resultados foram divulgados, eu fiquei, claro, bem decepcionada. Mas antes mesmo que eu tivesse tempo de acabar de processar a decepção com o resultado, me decepcionei com outra coisa e é sobre isso que eu vou falar hoje.
Menos de uma hora depois de os resultados terem sido divulgados, começaram a pipocar na minha linha do tempo os posts de revolta. Muita gente postando e compartilhando mensagens de uma virulência que me chocou, voltadas especificamente contra quem participou das manifestações de 2013 e que, segundo os autores dessas mensagens de ódio, o fez só de palhaçada, para fazer baderna, já que, quando chegaram as eleições, votou não pela mudança e sim pela permanência no poder do mesmo governo contra o qual tinha protestado um ano antes.
Eu só estive em um dos protestos, e já escrevi aqui no blog sobre a experiência. Não vou entrar agora no mérito da validade dos protestos, da intenção e do caráter dos participantes ou do comportamento da polícia. Neste momento o que eu quero falar é do fato de que a primeira reação de muitas pessoas (pior: de muitas pessoas na minha lista de amigos) foi colocar a culpa do resultado das eleições em pessoas cujo voto elas nem sabem qual foi, mais especificamente acusando essas pessoas de terem votado na situação depois de terem ido para as ruas protestar contra o governo. Peraí, que matemática é essa? 34.897.211 pessoas votaram no Aécio Neves no segundo turno. Quase 35 milhões de pessoas votaram pela não reeleição da atual presidente e ainda assim pessoas que, repito, não têm como saber o voto de ninguém a não ser o seu próprio, "sabem" que entre esses votos não estão os das muito menos que 35 milhões de pessoas que estavam nos protestos de 2013. Os "baderneiros" dos protestos votaram todos na situação, enquanto que os que ficaram em casa compartilhando mensagens no Facebook, esses sim, votaram na oposição.
Isso foi há mais ou menos um mês atrás. Eu pensei bastante sobre isso, cheguei a considerar a ideia de postar algum comentário no Facebook mesmo, mas, francamente, a decepção foi tão grande que eu acabei desanimando: só queria ocultar esses posts da minha linha do tempo e esquecer que eles tinham um dia existido.
Até que, na semana passada, chegou a época dos exames do Enem e o fenômeno se repetiu, com menos agressividade mas com a mesma intolerância e lógica distorcida. Na verdade, no caso do Enem isso acontece todo ano, mas neste ano me chamou mais a atenção por causa da proximidade com o incidente das eleições. Todo ano é assim: no instante em que os portões se fecham, os meios de comunicação começam a publicar fotos, vídeos e entrevistas com candidatos que foram barrados no exame por chegarem atrasados e, na esteira dessas histórias, vêm as críticas comparando esses casos com a quantidade de jovens e adolescentes que pernoitam na fila para garantir o ingresso ou o melhor lugar em shows. E eu, mesmo concordando que para um evento do porte do Enem se sai de casa com antecedência, para prevenir atrasos devido a engarrafamento, pneu furado e todo tipo de imprevisto, ainda assim pergunto: essa gente, por acaso, sabe se aquele garoto batendo boca com o fiscal do outro lado do portão fechado ao menos comprou ingresso para o show da Miley Cyrus? O que essa menina se descabelando e implorando pra entrar no local da prova tem em comum com as que acamparam na fila do show do Justin Bieber além da faixa etária? Essa gente que é tão rápida no gatilho na hora de fazer pouco do choro alheio, seja ele justificado ou não, sabe alguma coisa — qualquer coisa — sobre essas pessoas além do fato de que elas se atrasaram e perdereram a prova do Enem?
Eu sei que, no caso da eleição, foi uma reação no calor do momento e da qual algumas pessoas podem ter se arrependido mais tarde. Sei que, teve, sim, gente que foi aos protestos de 2013 só de oba-oba. Sei que é bem capaz de ter tido mesmo gente que saiu de casa com cinco horas de antecedência pro show mas, no dia da prova do Enem, chegou da balada às seis horas da manhã e ainda foi tirar um soninho antes da prova. Mesmo assim, esses posts me deixaram muito triste, pois o que eles me dizem sobre as pessoas que os fizeram não é nada bom.
O que eu enxergo nestes casos é o seguinte: na eleição presidencial, a frustração com a derrota ativou uma resposta automática de acionar o Comando de Caça aos Culpados que algumas pessoas talvez nem desconfiassem que tinham. No Enem, acho que foi mais um impulso de dizer "bem feito" ou "eu teria feito melhor" para quem quebrou a cara, especialmente se a pessoa quebrou a cara com estilo, de uma maneira extravagante que pode ser imortalizada em vídeo e ridicularizada. Nos dois casos, para muita gente acredito que houve também o "fator Facebook": vi uma coisa na minha linha do tempo, achei bem bolada e o mouse já está deslizando automaticamente na direção do botão de "Compartilhar" em uma tentativa de pegar uma carona nos "Curtis" do post.
É possível que as pessoas que escreveram e/ou compartilharam esses posts tenham mudado de ideia a respeito deles mais tarde; talvez até os tenham excluído do Facebook, não sei. Eu sei que eu constantemente faço e digo coisas das quais me arrependo.
E até que seria bom se tudo que é dito da forma errada ou na hora errada pudesse ser excluído tão facilmente quanto um post no Facebook. Mas não dá, por isso a gente precisa pensar antes de agir, de falar e até de postar no Facebook. Ser adulto não é fácil. É possível expressar um pensamento correto da forma errada. Uma piada pode ser ao mesmo tempo engraçada e ofensiva. E preferir perder o amigo a perder a piada é coisa de gente que não entende nem de amizade, nem de piada.
Menos de uma hora depois de os resultados terem sido divulgados, começaram a pipocar na minha linha do tempo os posts de revolta. Muita gente postando e compartilhando mensagens de uma virulência que me chocou, voltadas especificamente contra quem participou das manifestações de 2013 e que, segundo os autores dessas mensagens de ódio, o fez só de palhaçada, para fazer baderna, já que, quando chegaram as eleições, votou não pela mudança e sim pela permanência no poder do mesmo governo contra o qual tinha protestado um ano antes.
Eu só estive em um dos protestos, e já escrevi aqui no blog sobre a experiência. Não vou entrar agora no mérito da validade dos protestos, da intenção e do caráter dos participantes ou do comportamento da polícia. Neste momento o que eu quero falar é do fato de que a primeira reação de muitas pessoas (pior: de muitas pessoas na minha lista de amigos) foi colocar a culpa do resultado das eleições em pessoas cujo voto elas nem sabem qual foi, mais especificamente acusando essas pessoas de terem votado na situação depois de terem ido para as ruas protestar contra o governo. Peraí, que matemática é essa? 34.897.211 pessoas votaram no Aécio Neves no segundo turno. Quase 35 milhões de pessoas votaram pela não reeleição da atual presidente e ainda assim pessoas que, repito, não têm como saber o voto de ninguém a não ser o seu próprio, "sabem" que entre esses votos não estão os das muito menos que 35 milhões de pessoas que estavam nos protestos de 2013. Os "baderneiros" dos protestos votaram todos na situação, enquanto que os que ficaram em casa compartilhando mensagens no Facebook, esses sim, votaram na oposição.
"Votou na Dilma, sim, que eu sei! E também estaciona na vaga de deficientes, sai mais cedo de fininho e deixa a conta do bar pros outros pagarem e passa com o carro em cima da poça pra jogar água nos pedestres!" © Ximagination | Dreamstime.com - Angry Woman With Laptop Photo |
Isso foi há mais ou menos um mês atrás. Eu pensei bastante sobre isso, cheguei a considerar a ideia de postar algum comentário no Facebook mesmo, mas, francamente, a decepção foi tão grande que eu acabei desanimando: só queria ocultar esses posts da minha linha do tempo e esquecer que eles tinham um dia existido.
Até que, na semana passada, chegou a época dos exames do Enem e o fenômeno se repetiu, com menos agressividade mas com a mesma intolerância e lógica distorcida. Na verdade, no caso do Enem isso acontece todo ano, mas neste ano me chamou mais a atenção por causa da proximidade com o incidente das eleições. Todo ano é assim: no instante em que os portões se fecham, os meios de comunicação começam a publicar fotos, vídeos e entrevistas com candidatos que foram barrados no exame por chegarem atrasados e, na esteira dessas histórias, vêm as críticas comparando esses casos com a quantidade de jovens e adolescentes que pernoitam na fila para garantir o ingresso ou o melhor lugar em shows. E eu, mesmo concordando que para um evento do porte do Enem se sai de casa com antecedência, para prevenir atrasos devido a engarrafamento, pneu furado e todo tipo de imprevisto, ainda assim pergunto: essa gente, por acaso, sabe se aquele garoto batendo boca com o fiscal do outro lado do portão fechado ao menos comprou ingresso para o show da Miley Cyrus? O que essa menina se descabelando e implorando pra entrar no local da prova tem em comum com as que acamparam na fila do show do Justin Bieber além da faixa etária? Essa gente que é tão rápida no gatilho na hora de fazer pouco do choro alheio, seja ele justificado ou não, sabe alguma coisa — qualquer coisa — sobre essas pessoas além do fato de que elas se atrasaram e perdereram a prova do Enem?
"Só isso, não. Eu sei também que elas... hum... ficaram chateadas por terem perdido a prova?" (Image courtesy of Ambro at FreeDigitalPhotos.net) |
Eu sei que, no caso da eleição, foi uma reação no calor do momento e da qual algumas pessoas podem ter se arrependido mais tarde. Sei que, teve, sim, gente que foi aos protestos de 2013 só de oba-oba. Sei que é bem capaz de ter tido mesmo gente que saiu de casa com cinco horas de antecedência pro show mas, no dia da prova do Enem, chegou da balada às seis horas da manhã e ainda foi tirar um soninho antes da prova. Mesmo assim, esses posts me deixaram muito triste, pois o que eles me dizem sobre as pessoas que os fizeram não é nada bom.
O que eu enxergo nestes casos é o seguinte: na eleição presidencial, a frustração com a derrota ativou uma resposta automática de acionar o Comando de Caça aos Culpados que algumas pessoas talvez nem desconfiassem que tinham. No Enem, acho que foi mais um impulso de dizer "bem feito" ou "eu teria feito melhor" para quem quebrou a cara, especialmente se a pessoa quebrou a cara com estilo, de uma maneira extravagante que pode ser imortalizada em vídeo e ridicularizada. Nos dois casos, para muita gente acredito que houve também o "fator Facebook": vi uma coisa na minha linha do tempo, achei bem bolada e o mouse já está deslizando automaticamente na direção do botão de "Compartilhar" em uma tentativa de pegar uma carona nos "Curtis" do post.
É possível que as pessoas que escreveram e/ou compartilharam esses posts tenham mudado de ideia a respeito deles mais tarde; talvez até os tenham excluído do Facebook, não sei. Eu sei que eu constantemente faço e digo coisas das quais me arrependo.
Constantemente, MESMO. Eu sou uma anta. (Image courtesy of Stuart Mile at FreeDigitalPhotos.net) |
E até que seria bom se tudo que é dito da forma errada ou na hora errada pudesse ser excluído tão facilmente quanto um post no Facebook. Mas não dá, por isso a gente precisa pensar antes de agir, de falar e até de postar no Facebook. Ser adulto não é fácil. É possível expressar um pensamento correto da forma errada. Uma piada pode ser ao mesmo tempo engraçada e ofensiva. E preferir perder o amigo a perder a piada é coisa de gente que não entende nem de amizade, nem de piada.
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