terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Peixe Fresco

Há quase dois anos atrás eu publiquei um artigo neste blog sobre aquela estorinha "motivacional" da galinha e do porco. Já faz bastante tempo que não escuto essa analogia infeliz, mas recentemente começaram a compartilhar no Facebook outra estória da carochinha motivacional que eu vou esculhambar comentar aqui hoje: os japoneses e seu método infalível para ter sempre peixe fresco.

O motivo desta imagem é apenas que, quando eu compartilho um artigo no Facebook, não consigo selecionar uma imagem para exibir com o link; o Facebook exibe sempre a primeira imagem do artigo. E ninguém merece olhar para a imagem do próximo parágrafo fora de contexto.
© Aleksg | Dreamstime.com - Discus - Tropical Fish Photo

Então, vamos à estória. Ela começa afirmando que os japoneses adoram peixe fresco. Não sei se é verdade, mas essa associação "culinária japonesa = peixe" é muito popular, então vamos assumir que seja isso mesmo. A questão é que, ainda segundo a estória, as águas perto do Japão não produzem muito peixe há décadas. Não tenho a menor ideia se isso é verdade ou não e não vou pesquisar: segue o jogo. Para resolver esse problema de oferta e demanda, os japoneses teriam então aumentado o tamanho dos navios pesqueiros e começado a pescar cada vez mais longe da costa. Faz sentido: eu faria o mesmo. Só que, quanto mais longe da costa o peixe for pescado, mais tempo leva para ele chegar ao consumidor e aí, já viu, né? Peixe não é um alimento famoso pelo seu enorme prazo de validade.

"Deixa eu te explicar uma coisa: se você vender essa porcaria toda pelo preço deles em ouro não paga o meu adicional de insalubridade."
© Oirseed | Dreamstime.com - Fish Scraps Photo

A primeira solução que as empresas de pesca teriam tentado para resolver esse problema teria sido instalar congeladores nos barcos. E aí surge o problema apontado no título deste artigo: o peixe congelado dura mais, mas tem gosto diferente do peixe fresco e os japoneses não teriam gostado, fazendo com que o preço do peixe caísse.

As empresas teriam, então, partido para a solução número 2: instalar nos barcos pesqueiros tanques dentro dos quais os peixes pescados pudessem ser colocados de modo a permanecerem vivos até chegarem ao seu destino. O problema é que, segundo o autor, os peixes nos tanques super lotados se debatiam por algum tempo, mas acabavam ficando exaustos e parando de se mexer, chegando ao seu destino final vivos, mas cansados e abatidos.

E aí os japoneses conseguiam perceber a diferença no gosto dos peixes apáticos e não gostavam desses também. Povinho enjoado pra comer esse, hem?

A terceira solução encontrada pela empresas de pesca japonesas — solução essa, segundo o autor, que as empresas utilizam até hoje — foi colocar em cada tanque um tubarão (um "pequeno tubarão", segundo ele, não um grande tubarão branco — ah, bom!) junto com os peixes. Segundo o autor, o tubarão no tanque mantém os peixes ativos e alertas... já que os peixes apáticos o tubarão come. Uma estratégia muito interessante se você for a pessoa que vai comer o peixe. Porque a moral da estória, quer o autor goste ou não, é essa: os peixes motivados passam a viagem inteira estressados, fugindo do predador dentro daquele espaço confinado de onde não têm como escapar, só pra no fim serem mortos, estripados, picados em pedacinhos pequenos e servidos com molho shoyu e raíz forte.

"Onde outros vêem um problema, eu vejo uma oportunidade."
© Danilosaltarelli | Dreamstime.com - Japanese Food Combo Photo

Sem perceber essa triste ironia, o autor segue fazendo altas analogias entre os peixes e as pessoas. Os peixes, diz ele, são desafiados. Seja um peixe, ele diz: ao invés de evitar os desafios (tanques), pule dentro deles. "Ponha um tubarão no seu tanque e veja quão longe você realmente pode chegar".

Vou repetir pro caso de alguém não ter prestado atenção da primeira vez: colocar um tubarão no tanque é uma ótima ideia se você for a pessoa que vai comer o peixe fresco no fim da viagem, ou se você for a pessoa que vai vender o peixe por um preço mais alto porque, afinal, é peixe fresco, ou até mesmo se você for o tubarão e não se incomodar de passar o resto da vida num tanquinho ridículo, mas onde pelo menos você está no topo da cadeia alimentar e a comida não tem pra onde fugir. Ou seja, pra todo mundo, menos para o peixe. Nunca para o peixe. Se você é um peixe e vir um tanque com um tubarão dentro, nade o mais rápido que puder na direção oposta. Não importa o que te espera na direção oposta. não pode ser pior do que um tanque com um tubarão dentro navegando em direção ao mercado de peixe. E. se você for um peixe que já está em um tanque com um tubarão dentro, eis o seu primeiro desafio: livre-se do tubarão.

A ida ao mercado de peixe é inevitável: todos chegaremos lá um dia. Mas não deixe que as empresas pesqueiras te convençam que a coisa mais importante é chegar lá como um peixe fresco; a coisa mais importante é passar o tempo que te resta no oceano como um peixe feliz.

"Sou feio, mas sou feliz. Mais feio é quem me diz."
© Tamarabauer | Dreamstime.com - Grouper Photo

domingo, 15 de janeiro de 2017

Eu Sou a Favor da Limitação da Banda Larga

O debate sobre o fim da Internet ilimitada começou no ano passado, depois pareceu que tinha sido encerrado, mas ressurgiu novamente há alguns dias após uma declaração do ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações de que o modelo de franquia de dados pode vir a ser implementado este ano, sim. A Anatel disse que não, o Anonymous ameaçou começar uma guerra e, claro, um novo hashtag foi criado. #NaoAOLimiteDeInternet

Ou, no meu caso, #LimitaTudoSim. Sim, eu sou a favor dos planos de Internet fixa com limite de tráfego de dados: o título deste artigo não foi só pra chocar e atrair leitores para o blog. E por que eu sou a favor? Que bom que você perguntou (ou, pelo menos, que bom que ainda não parou de ler o artigo).

Imagine que você vai comer fora e tem que escolher um restaurante. Você pode escolher uma churrascaria rodízio, um restaurante de comida a quilo ou um restaurante a la carte. Se você for na churrascaria rodízio, sabe que pode comer o quanto quiser, de qualquer tipo de carne ou acompanhamento disponível. O preço é o mesmo, não importa quanto ou o que você coma. Se você for na comida a quilo, o preço varia dependendo da quantidade (mas não do tipo) de comida. Comeu mais, pagou mais; comeu menos, pagou menos. Finalmente, no restaurante a la carte você paga pelo prato inteiro, independente de ter só beliscado ou de ter raspado o prato e ainda passado um pãozinho no fundo pra pegar o restinho de molho, mas os preços variam de acordo com o tipo de prato: normalmente, massa é mais barato do que filé que é mais barato do que bacalhau.

O que nós temos hoje na Internet do Brasil é uma mistura de churrascaria rodízio com restaurante a la carte: o preço varia de acordo com o prato (velocidade), mas é o mesmo independente da quantidade consumida. E, assim, como na churrascaria rodízio, é claro que está todo mundo pagando pelo maior consumo, porque o dono do restaurante não está aqui pra levar prejuízo. Minha tia que só usa a Internet para enviar e-mail paga o mesmo que uma família que assiste de três a quatro filmes por dia, que é o mesmo que paga quem baixa todos os filmes que estão em cartaz enquanto joga online, que é o mesmo que paga quem trabalha de dia e estuda à noite e só usa a Internet nos fins de semana, que é o mesmo que paga o YouTuber que sobe conteúdo novo dia sim, dia não, que é o mesmo que paga quem trabalha em casa e estuda online, que é o mesmo que paga quem passa a madrugada no RedTube (só por causa das entrevistas, claro).

Eu sei que permitir que as operadoras ofereçam planos de Internet com franquia de uso de dados não vai baixar os preços da noite para o dia: mais provavelmente vai continuar todo mundo pagando o mesmo valor que paga hoje, só que agora com limite de uso de dados. E, não, isso não é legal. A questão é que do jeito que está hoje também não é legal: é injusto pra muita gente que precisa de Internet, mas não de tanta Internet assim, e está rachando a conta com o povo que precisa de tanta Internet assim.

"Precisa", no caso, é maneira de falar.
© Yadvigagr | https://www.dreamstime.com/ - Computer Tablet With Internet Icons Photo

Ou seja, o sistema já está errado hoje, e não é certo eu querer que ele continue errado só porque o sistema atual dá menos errado pra mim do que o novo que estão propondo (aqui em casa é um desses casos em que se assiste até mais do que três a quatro filmes por dia). Faz muito mais sentido que quem consome mais pague mais do que quem consome menos, e o primeiro passo para isso é permitir que as operadoras tenham planos com franquias diferentes para oferecer a usuários diferentes. Se os preços vão ser justos ou não, aí já é outra negociação, mas pelo menos vai passar a ser possível fazer essa negociação. Vai ter empresa oferecendo um plano mais barato com uma franquia diminuta tentando atrair a pessoa que hoje não tem Internet em casa. Vai ter empresa oferecendo um plano com mesmo preço do concorrente, mas com franquia maior pra tentar roubar os clientes do outro. É a tal da oferta x demanda. Vai ter até empresa oferecendo plano com Internet ilimitada, garanto. Vai ser mais caro do que é hoje? Com certeza. Sabe por quê? Porque cada um vai estar pagando só pela sua Internet, sem dividir a conta com outra pessoa que quase não usa a Internet.

Ao invés de brigar pra continuar todo mundo pagando muito por mais do que precisa, a gente devia estar brigando para cada um pagar o preço justo só pelo que precisa, e essa briga só pode ser feita se a Anatel se preocupar menos em engessar o sistema e mais em ajudar o consumidor a fiscalizar se está efetivamente recebendo a largura de banda que contratou e a denunciar cobranças abusivas e outras formas de não cumprimento de contrato. E deixar o sistema o mais flexível possível para que mais empresas queiram entrar nele oferecendo seus serviços. Deixa o povo abrir churrascaria rodízio, comida a quilo, restaurante a la carte, lanchonete, drive through, loja de comida congelada. A nós, consumidores, cabe pesquisar preços, negociar, ameaçar mudar de operadora, mudar mesmo de operadora, cobrar, denunciar, brigar pelos nossos direitos. Não é fácil, mas é parte do jogo.