segunda-feira, 21 de março de 2016

Uma Dessas Coisas Não É Como as Outras #3

Depois do textão de ontem, mais uma rodada de "Uma Dessas Coisas Não É Como as Outras" pra descontrair.

As palavras são:
  • bomb (bomba)
  • coach (técnico)
  • blackboard (quadro-negro)
  • coat (casaco)

Padrão: Todas são objetos inanimados.
Uma dessas coisas não é como as outras: técnico

Padrão: Todas são substantivos simples.
Uma dessas coisas não é como as outras: quadro-negro

Padrão: Todas são coisas que não são motivo de preocupação se estiverem no mesmo cômodo que alguém.
Uma dessas coisas não é como as outras: bomba

Padrão: Todas podem se quebrar se caírem de uma grande altura.
Uma dessas coisas não é como as outras: casaco

Editado em 03/04/2016 para incluir:

Padrão: Todas são palavras do gênero masculino.
Uma dessas coisas não é como as outras: bomba

Editado em 19/06/2016 para incluir:

Padrão: Todas são coisas que são construídas pelo homem.
Uma dessas coisas não é como as outras: técnico

Editado em 27/02/2017 para incluir:

Padrão: Todas são palavras com número ímpar de letras.
Uma dessas coisas não é como as outras: casaco

domingo, 20 de março de 2016

A Babá, o Macaquinho e o Diferentão

No início do ano causou comoção na Internet a foto de uma família de pai, mãe e filho fantasiada para o Carnaval: na foto, tirada enquanto eles acompanhavam um bloco de rua, estavam os pais, brancos, fantasiados de Aladim e Jasmine e, o filho, negro, fantasiado de Abu, aquele macaquinho que era o companheiro do Aladim no desenho da Disney.

Daí, já viu, né? Criança negra, adotada ainda por cima, vestida de macaco, claro que deu o que falar. Eu, na época, estava curtindo meu Carnaval longe do Carnaval em Itaipava e sem a menor disposição pra escrever sobre isso, depois o assunto morreu e eu não pensei mais nisso. Hoje, porém, já que vou falar sobre outra situação que está gerando barraco polêmica em torno do tema racismo, aproveito e coloco tudo num post só.

Em primeiro lugar, a minha opinião. Eu não conheço o casal, portanto optei por dar um voto de confiança pra eles e acreditar que a intenção não foi ruim, que por acaso foi Aladim, Jasmine e Abu como poderia ter sido Kristoff, Anna e Olaf, ou Papai Urso, Mamãe Urso e Bebê Urso. Eles só queriam fazer uma fantasia engraçadinha de família e não imaginaram que a imagem seria mal-interpretada.

A questão é que isso é, como eu disse, um voto de confiança, e não uma conclusão lógica e óbvia à qual qualquer um poderia e deveria ter chegado ao ver a foto, como algumas pessoas argumentaram na época. Por não ser possível afirmar com certeza que foi um gesto racista e porque eu vejo uma possibilidade razoável de que não tenha sido, acho mais justo considerar que não foi. Pessoas diferentes, com experiências, valores e filosofias de vida diferentes das minhas, podem enxergar uma probabilidade maior de que tenha, sim, sido um gesto racista e considerar que um voto de confiança quando há, digamos, 90% de chance em contrário já é querer demais.

O argumento de que "se eles fossem racistas, não teriam adotado uma criança negra", pra mim, não cola. Aquele vídeo do Porta dos Fundos, "Amiguinho", em que o casal implora à diretora da escola para não expulsar o aluno negro porque ele é o único amiguinho preto do seu filho, o que eles citam nas conversas para mostrar que não são racistas, funciona justamente porque é verdadeiro. Existe gente vil o suficiente para ter filho só pra segurar marido, pra garantir a pensão alimentícia, pra salvar o casamento, pra receber salário família, pra ter quem lhe cuide na velhice. Daí pra adotar uma criança negra pra mostrar ao mundo que não é racista é um pulo, e um pulinho bem pequeno.

Então, sustento a minha posição de que, até prova em contrário, não houve racismo da parte dos pais, mas não vou jogar pedra em quem viu racismo ali e criticou. Querendo ou não, a imagem dá, sim, margem a essa possível interpretação e, ao sair às ruas fantasiados desse jeito, os pais se expuseram tanto à crítica de quem viu e condenou quanto ao deboche de quem viu e concordou. E mais: expuseram também uma criança que ainda é muito pequena para entender as implicações daquela imagem e decidir se queria ou não lidar com o tipo de comentário maldoso que ela poderia suscitar.

Se fosse uma criança um pouco mais velha, que tivesse escolhido ela mesma a fantasia sem entender como ela poderia ser mal interpretada, eu entenderia que os pais não quisessem dizer ao filho que ele não podia ser quem ele quisesse por causa de uma gente cretina que não merece a atenção nem dele nem de ninguém. Em se tratando de uma criança de uns dois anos de idade, se tanto, acho que foi uma atitude não racista, mas pouco ajuizada. Criança não tem juízo e cabe ao adulto ter por ela.

Houve quem argumentasse que "se fosse uma criancinha branca todo mundo ia achar fofo e não racista". Gente, lamento, mas o mundo é o que é, gostemos disso ou não. A gente faz o melhor que pode no sentido de transformá-lo, mas, enquanto isso não acontece, não adianta fingir que não existe gente capaz de achar fofa a criança branca fantasiada de macaco e zombar da criança negra na mesma fantasia. Sou totalmente a favor de quem diz "eu vou sair fantasiado do que eu quiser e ninguém tem nada a ver com isso", mas essa é uma decisão que não se pode tomar pelos outros, porque cada um sabe com o que é capaz de lidar e, talvez até mais importante, se está disposto a lidar com isso ou se prefere usar outra fantasia só pra não ter encheção de saco. Não dá pra esperar esse nível de discernimento de uma pessoinha que ainda acredita que aqueles dois adolescentes contratados pela casa de festas realmente são o Patati e o Patatá.

Resumindo: acredito que os pais sejam pessoas boas e que não são racistas, acredito que a intenção era boa mas a ideia foi ruim. Respeito e entendo o raciocínio dos dois lados: de quem viu racismo ali e criticou e de quem não viu racismo nenhum e defendeu. O que eu não entendo, não respeito e não aceito são dois tipos de pessoa que ficam disfarçados, fingindo fazer parte desses grupos, quando na verdade pertencem a um terceiro e detestável grupo: o Diferentão.

Um tipo de Diferentão é o Politicamente Correto, aquele que teria visto racismo até se ninguém estivesse fantasiado de nada e a mãe tivesse tirado da bolsa um singelo potinho de banana amassada pra alimentar o menino. Se vinte Diferentões Politicamente Corretos se indignarem com a imagem de uma mãe dando um lanchinho nutritivo, saboroso e adequado à idade do seu filhote, cada um dos Diferentões vai achar que ele é o mais revoltado, o de indignação mais pura, o primeiro que percebeu e denunciou.

Anos antes de esse meme surgir, eu estava conversando com um grupo de amigos e o assunto em algum momento chegou à filha de uma conhecida nossa que na época estava grávida. Segundo uma das pessoas presentes, a família da moça não gostava do namorado e pai da criança porque o rapaz era mulato. Depois de fazer esse comentário, essa mesma pessoa arrematou com a seguinte pérola: "Às vezes eu acho que vim de outro planeta, porque não consigo entender esse tipo de comportamento."

É, você deve mesmo ter vindo de outro planeta, porque é só você que fica chocada com racismo.

Só você.

Musa da fraternidade e união entre os povos.

Amigona do Nelson Mandela,

Tem um sonho mais bonito que o do Martin Luther King.

Co-autora da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Diferentona.

O outro tipo de Diferentão parece ser o oposto do Politicamente Correto, mas na verdade é só a outra face da mesma moeda: o Diferentão Defensor da Liberdade de Expressão. Não importa se o alvo das críticas é o pai que colocou no filho uma fantasia de macaco, a mãe que deu banana amassada pra criança ou a secretária de uma empresa em que eu trabalhei que disse que a nova estagiária, mulata e de cabelo quimicamente alisado, era "uma macaquinha que alisou o cabelo e agora pensa que é gente". O Diferentão Defensor da Liberdade de Expressão coloca tudo no mesmo saco e defende todos com o mesmo argumento de que "o mundo está muito chato, as pessoas se ofendem com qualquer coisinha, não se pode mais falar nada, ninguém tem mais senso de humor".

Tanto o Diferentão Politicamente Correto quanto o Diferentão Defensor da Liberdade de Expressão se sentem super ultra mega especiais, porque ousam dizer aquilo que ninguém mais diz, nadar contra a maré, não seguir cegamente a opinião da maioria. Em um mundo infestado pelo preconceito, o Diferentão Politicamente Correto se ergue como um defensor das minorias oprimidas, aquele que pensa pela própria cabeça ao invés de se aferrar a ideias pré-concebidas e ultrapassadas. Em um mundo acovardado diante da onda do Politicamente Correto, em que as pessoas vivem pisando em ovos para não ofender a susceptibilidade alheia, o Diferentão Defensor da Liberdade de Expressão se ergue como a voz da liberdade, um revigorante sopro de sinceridade no meio de tanta hipocrisia e não-me-toques, aquele que pensa pela própria cabeça e não se esconde atrás de chavões e discursos paternalistas. Um diz que tudo é preconceito, o outro diz que nada é preconceito, ambos se acham melhores do que todo mundo e ambos estão redondamente enganados. Em algumas situações há preconceito (racial, religioso, social, o que for) e em outras não há e não existe uma fórmula pronta nem um jeito fácil de diferenciar umas das outras. Pensar dá trabalho. Bem-vindo à vida adulta.

E a babá, pergunta o leitor que ainda não pegou no sono nem desistiu de ler diante do tamanho do textão? A babá foi fotografada na manifestação do último dia 13 em Copacabana, de uniforme branco, empurrando o carrinho dos bebês e caminhando um ou dois passos atrás dos patrões, que vestiam camisa verde e amarela.

Foto perfeita para representar os arquétipos da mucama e da elite branca. Se aquela fosse uma foto publicitária, posada, ou uma charge de algum cartunista que acha que as manifestações são coisa de classe média alta despeitada porque está perdendo seus privilégios e não suporta ver os pobres finalmente terem vez, eu consideraria um trabalho muito bem feito. Consideraria mesmo, sem sarcasmo.

O problema é que não se trata de uma foto publicitária. Aquelas são pessoas de verdade, flagradas em um único segundo de suas vidas, e tem gente querendo que aquele um segundo registrado pela câmera represente toda a dinâmica das relações entre eles.

Não vou nem entrar no mérito de achar que três pessoas (cinco, se contarmos os bebês que entraram de gaiatos nessa história) representam uma manifestação de mais de um milhão, apesar de achar bem significativo que os vigilantes de plantão não tenham encontrado outra família branca opressora para fotografar. Mas vou me concentrar, de qualquer modo, nesta família específica porque, repito, eles não são modelos publicitários, não são metáforas, não são garotos-propaganda da ideologia de ninguém. Os dois queriam ir à manifestação, de verde e amarelo, levando as crianças também de verde e amarelo. A babá estava de serviço porque ela foi contratada especificamente para trabalhar nos fins de semana. Se ela queria ir à manifestação? Não sei. Não sei quanto a vocês, mas eu não estava lá quando os patrões comunicaram a ela que iriam à manifestação. Não sei se eles deram a ela a opção de esperar em casa, ou de encontrar com eles na rua depois da manifestação. Não sei se, tendo a opção, ela teria ou não ido à manifestação. Não sei se, indo à manifestação, ela preferia ter tido a opção de ir de verde e amarelo ou se achou até melhor ir de uniforme mesmo. Não sei como é o relacionamento entre ela e essa família no dia-a-dia. Não sei nem mesmo se as declarações dela de que eles são patrões ótimos e de que ela apoia as manifestações são sinceras ou se foram feitas sob pressão, por medo de perder o emprego. Não sei e ninguém sabe além dela, dos patrões e de algum amigo mais próximo.

Quem já foi às manifestações sabe que vai rico e vai pobre, vai negro e vai branco, homem e mulher, jovem e velho. Se as manifestações estão certas ou estão erradas eu não vou discutir aqui, mas não me venham com esse papo de "elite branca" como se o Chico Buarque, a Letícia Sabatella e o Jô Soares fossem negros e pobres. As pessoas de qualquer raça ou classe social vão às manifestações contra o governo porque são contra o que o governo está fazendo, e vão às manifestações a favor dele porque são a favor. Simples assim.

Fica particularmente feio quando é gente branca de classe média acusando quem não concorda com o seu ponto de vista de ser "elite branca". É o suprassumo do Diferentão. Quando os outros lutam por alguma coisa, estão legislando em causa própria, porque ao branco de classe média só interessa a manutenção do status quo. Menos eu, claro. Quando eu luto por alguma coisa, é pelo bem maior. Eu sou branco de classe média, mas sou esclarecido. Sou desinteressado. Paladino da justiça. Diferentão.

Participem das manifestações contra o governo, ou das manifestações a favor, ou não participem de nenhuma. Só não tentem usar pessoas de verdade, de carne e osso, cuja vida e cuja história vocês não conhecem, como metáforas para ilustrar e defender suas próprias bandeiras.

Pronto, falei.