quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Improváveis e Necessárias Alianças

Na semana passada, assisti "Uma Longa Queda". Estava listado no catálogo de filmes da Net como comédia, mas, em primeiro lugar, eu já tinha assistido o trailer e sabia que não era uma comédia e, em segundo lugar, alguém ainda leva a sério alguma coisa que a Net diz?

"Sua ligação é muito importante para nós."
(Image courtesy of David Castillo Dominici at FreeDigitalPhotos.net)

Assim, assisti "Uma Longa Queda" e gostei muito do filme. É a estória de quatro pessoas que nunca tinham se visto antes até o dia em que os quatro resolvem, por motivos diferentes, se matar. O problema é que todos os quatro escolhem a mesma forma de suicídio: se jogar do alto de um prédio. Do mesmo prédio. No mesmo dia (31 de dezembro) e no mesmo horário. Os primeiros a chegar ainda tentam seguir a programação original, se organizando na base do "quem chegou primeiro", "quem vai na frente", mas depois de algum tempo, sem conseguir um mínimo de privacidade nesse momento que já seria bastante difícil mesmo em circunstâncias menos tumultuadas, os quatro acabam desistindo e descendo de lá pelas vias tradicionais, mesmo. Não vou entrar em detalhes sobre o resto do filme para não estragar para quem quiser assistir, mas a partir daí a vida dos quatro acaba se esbarrando várias outras vezes e se entrelaçando, algumas vezes de livre e espontânea vontade e outras, a contragosto. Nem tudo que está quebrado na vida de cada um pode ser consertado e o filme não termina com um "e viveram felizes para sempre", mas com uma (mais realista) nota de esperança.

Este filme me lembrou, de certa forma, um outro filme que eu assisti há muitos (muitos!) anos atrás: "Grand Canyon – Ansiedade de Uma Geração" conta a estória de um grupo bastante heterogêneo de pessoas que vive em Los Angeles. Alguns já se conhecem quando o filme começa, outros não, uns são mais felizes que outros, mas todos têm em comum uns com os outros e com os personagens de "Uma Longa Queda" uma qualidade muito humana que os torna bastante críveis, fáceis de reconhecer e de se identificar com eles. São pessoas boas que às vezes fazem coisas ruins, pessoas inteligentes que ocasionalmente tomam decisões idiotas e, principalmente, são pessoas que sabem que a vida nem sempre é simples e nem sempre é fácil, as regras do jogo às vezes não são claras, não tem savepoint e não dá pra pausar o jogo. Em suma, que ser adulto é fogo.

E às vezes ninguém te conta qual é a senha do WiFi.
(Image courtesy of stockimage at FreeDigitalPhotos.net)

Assim como acontece em "Uma Longa Queda", ainda que por motivos distintos, a vida dos personagens de "Grand Canyon – Ansiedade de Uma Geração" se esbarra e se cruza de diferentes formas e em diferentes momentos ao longo do filme. E o que diferencia esses encontros de tantos outros encontros ao longo da vida é que, de repente, essas pessoas se reconhecem. Se reconhecem não no sentido de já terem se encontrado antes, mas no sentido de perceber, de alguma forma, um possível aliado na pessoa à sua frente, nesse jogo confuso em que o adversário muitas vezes usa uma camisa da mesma cor da nossa e só é reconhecido ao jogar a bola direto na nossa cara.

Basicamente isto, mas todos os jogadores usam camisas da mesma cor, dois terços deles sabem qual é o seu joelho fraco e pelo menos dois carregam um estilete escondido. E o juiz às vezes está distraído atualizando seu status no Facebook.
(Image courtesy of pal2iyawit at FreeDigitalPhotos.net)

Existe muita gente ruim no mundo, mas também existe muita gente boa. A questão é que este é um mundo muito, muito grande e as pessoas boas acabam ficando meio dispersas por aí. Por isso é importante não perdê-las de vista uma vez que as encontremos. As pessoas que têm valores semelhantes aos nossos, as pessoas que nos fazem as perguntas difíceis, as pessoas que nos incentivam a sermos, nós mesmos, pessoas melhores.

A gente as encontra por aí. Esbarra com elas e às vezes tem a sorte de reconhecê-las antes que cada um siga o seu caminho e os dois se percam novamente na multidão. A gente mora no apartamento em frente ao delas, trabalha com elas, namora com elas, estuda com elas. E uma parte da gente — a parte mais esperta da gente — reconhece essas pessoas e sabe que mesmo mudando de emprego, terminando o namoro ou se mudando para Timbuktu, a gente não deveria se permitir perder essas pessoas. E que um aliado não é necessariamente uma pessoa que desembainha sua espada e vai lutar ombro a ombro com você no campo de batalha; pode ser simplesmente alguém que está por perto lutando suas próprias batalhas, mas que, se preciso, vai dividir um cantil de água com você, bater nas suas costas e dizer "Vai lá, acaba com eles."

"No fim do dia a gente se encontra aqui de novo, combinado? Se eu sobreviver, o chope é por minha conta hoje."
(Image courtesy of Colin Broug at FreeImages)

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Os Vinte Centavos e as Provas do Enem

Antes de mais nada, quero deixar bem claro que, embora este post comece falando da eleição presidencial de 2014, ele não é sobre política. Dito isso, informo também que meu candidato não ganhou a eleição: concluam daí o que quiserem (ou não concluam nada, já que, como eu disse, este post não é sobre política).

É sobre pandas.
Bom, não é, mas poderia ser, né?
(Image courtesy of Emz452 at FreeImages)

A questão é que, quando o último voto foi registrado no Acre e os resultados foram divulgados, eu fiquei, claro, bem decepcionada. Mas antes mesmo que eu tivesse tempo de acabar de processar a decepção com o resultado, me decepcionei com outra coisa e é sobre isso que eu vou falar hoje.

Menos de uma hora depois de os resultados terem sido divulgados, começaram a pipocar na minha linha do tempo os posts de revolta. Muita gente postando e compartilhando mensagens de uma virulência que me chocou, voltadas especificamente contra quem participou das manifestações de 2013 e que, segundo os autores dessas mensagens de ódio, o fez só de palhaçada, para fazer baderna, já que, quando chegaram as eleições, votou não pela mudança e sim pela permanência no poder do mesmo governo contra o qual tinha protestado um ano antes.

Eu só estive em um dos protestos, e já escrevi aqui no blog sobre a experiência. Não vou entrar agora no mérito da validade dos protestos, da intenção e do caráter dos participantes ou do comportamento da polícia. Neste momento o que eu quero falar é do fato de que a primeira reação de muitas pessoas (pior: de muitas pessoas na minha lista de amigos) foi colocar a culpa do resultado das eleições em pessoas cujo voto elas nem sabem qual foi, mais especificamente acusando essas pessoas de terem votado na situação depois de terem ido para as ruas protestar contra o governo. Peraí, que matemática é essa? 34.897.211 pessoas votaram no Aécio Neves no segundo turno. Quase 35 milhões de pessoas votaram pela não reeleição da atual presidente e ainda assim pessoas que, repito, não têm como saber o voto de ninguém a não ser o seu próprio, "sabem" que entre esses votos não estão os das muito menos que 35 milhões de pessoas que estavam nos protestos de 2013. Os "baderneiros" dos protestos votaram todos na situação, enquanto que os que ficaram em casa compartilhando mensagens no Facebook, esses sim, votaram na oposição.

"Votou na Dilma, sim, que eu sei! E também estaciona na vaga de deficientes, sai mais cedo de fininho e deixa a conta do bar pros outros pagarem e passa com o carro em cima da poça pra jogar água nos pedestres!"
© Ximagination | Dreamstime.com - Angry Woman With Laptop Photo

Isso foi há mais ou menos um mês atrás. Eu pensei bastante sobre isso, cheguei a considerar a ideia de postar algum comentário no Facebook mesmo, mas, francamente, a decepção foi tão grande que eu acabei desanimando: só queria ocultar esses posts da minha linha do tempo e esquecer que eles tinham um dia existido.

Até que, na semana passada, chegou a época dos exames do Enem e o fenômeno se repetiu, com menos agressividade mas com a mesma intolerância e lógica distorcida. Na verdade, no caso do Enem isso acontece todo ano, mas neste ano me chamou mais a atenção por causa da proximidade com o incidente das eleições. Todo ano é assim: no instante em que os portões se fecham, os meios de comunicação começam a publicar fotos, vídeos e entrevistas com candidatos que foram barrados no exame por chegarem atrasados e, na esteira dessas histórias, vêm as críticas comparando esses casos com a quantidade de jovens e adolescentes que pernoitam na fila para garantir o ingresso ou o melhor lugar em shows. E eu, mesmo concordando que para um evento do porte do Enem se sai de casa com antecedência, para prevenir atrasos devido a engarrafamento, pneu furado e todo tipo de imprevisto, ainda assim pergunto: essa gente, por acaso, sabe se aquele garoto batendo boca com o fiscal do outro lado do portão fechado ao menos comprou ingresso para o show da Miley Cyrus? O que essa menina se descabelando e implorando pra entrar no local da prova tem em comum com as que acamparam na fila do show do Justin Bieber além da faixa etária? Essa gente que é tão rápida no gatilho na hora de fazer pouco do choro alheio, seja ele justificado ou não, sabe alguma coisa — qualquer coisa — sobre essas pessoas além do fato de que elas se atrasaram e perdereram a prova do Enem?

"Só isso, não. Eu sei também que elas... hum... ficaram chateadas por terem perdido a prova?"
(Image courtesy of Ambro at FreeDigitalPhotos.net)

Eu sei que, no caso da eleição, foi uma reação no calor do momento e da qual algumas pessoas podem ter se arrependido mais tarde. Sei que, teve, sim, gente que foi aos protestos de 2013 só de oba-oba. Sei que é bem capaz de ter tido mesmo gente que saiu de casa com cinco horas de antecedência pro show mas, no dia da prova do Enem, chegou da balada às seis horas da manhã e ainda foi tirar um soninho antes da prova. Mesmo assim, esses posts me deixaram muito triste, pois o que eles me dizem sobre as pessoas que os fizeram não é nada bom.

O que eu enxergo nestes casos é o seguinte: na eleição presidencial, a frustração com a derrota ativou uma resposta automática de acionar o Comando de Caça aos Culpados que algumas pessoas talvez nem desconfiassem que tinham. No Enem, acho que foi mais um impulso de dizer "bem feito" ou "eu teria feito melhor" para quem quebrou a cara, especialmente se a pessoa quebrou a cara com estilo, de uma maneira extravagante que pode ser imortalizada em vídeo e ridicularizada. Nos dois casos, para muita gente acredito que houve também o "fator Facebook": vi uma coisa na minha linha do tempo, achei bem bolada e o mouse já está deslizando automaticamente na direção do botão de "Compartilhar" em uma tentativa de pegar uma carona nos "Curtis" do post.

É possível que as pessoas que escreveram e/ou compartilharam esses posts tenham mudado de ideia a respeito deles mais tarde; talvez até os tenham excluído do Facebook, não sei. Eu sei que eu constantemente faço e digo coisas das quais me arrependo.

Constantemente, MESMO. Eu sou uma anta.
(Image courtesy of Stuart Mile at FreeDigitalPhotos.net)

E até que seria bom se tudo que é dito da forma errada ou na hora errada pudesse ser excluído tão facilmente quanto um post no Facebook. Mas não dá, por isso a gente precisa pensar antes de agir, de falar e até de postar no Facebook. Ser adulto não é fácil. É possível expressar um pensamento correto da forma errada. Uma piada pode ser ao mesmo tempo engraçada e ofensiva. E preferir perder o amigo a perder a piada é coisa de gente que não entende nem de amizade, nem de piada.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Três Palavras Que Não Existem e/ou São Usadas de Forma Errada

Todo mundo gosta de causar uma boa impressão. É natural e saudável. E se expressar bem, demonstrando fluência e um bom vocabulário, é uma forma de causar uma boa impressão. Quando você usa uma palavra de forma incorreta, no entanto, com um sentido que ela nunca teve, acaba ficando menos parecido com o Rui Barbosa e mais com o Odorico Paraguaçu.

"Quando você disse que ele tinha escrito 'esquerda comunista, marronzista e badernenta' no e-mail, juro que achei que você estivesse me zoando!"
(Image courtesy of David Castillo Dominici at FreeDigitalPhotos.net)

Simplório
simplório
sim.pló.rio
adj (de simples) Diz-se do indivíduo muito crédulo, ingênuo ou papalvo, que se deixa enganar ou ludibriar com facilidade.

Ou seja, se a documentação do sistema, o manual do usuário ou a descrição do processo estão simplórios, joga essa porcaria fora antes que o estrago seja pior. Se por outro lado, o documento for só um esboço, estiver pouco detalhado, resumido ou incompleto, aí realmente dá pra quebrar o galho enquanto a versão definitiva não fica pronta. Só não dá essa tarefa pra gente simplória, porque é assim que a maioria dos problemas começa.

"A documentação ainda está assim, meio simplória, mas já é um começo, né?"
(Original image courtesy of Idea go at FreeDigitalPhotos.net)

Acertividade

Assertividade, assim mesmo com "ss", é a característica de quem é assertivo, positivo, firme na sua afirmação. "Acertividade"... não existe. "Acertivo" também não existe. Existe acerto, é verdade, mas parou por aí. Uma coisa pode estar certa, correta, exata, verdadeira, mas nunca estará "acertiva" e, portanto, nunca terá uma "acertividade" que possa ser verificada. Ou seja, só de tentar avaliar a "acertividade" de alguma coisa, você já está, por definição, errado.

"Zero pra você."
(Image courtesy of patrisyu at FreeDigitalPhotos.net)

Meiados

"Meiados" também não existe, sinto muito: a palavra que você está procurando é meados, sem o "i". Se a data a que você está se referindo cai lá pelo dia 15, é em meados do mês, e não em "meiados".

"Mas," alguém poderia argumentar, "meio tem 'i', e 'meiado' vem de meio, então...". Então, nada. Ceia tem "i" e cear não tem. Eu também não entendo a maioria dessas regras, mas você pode procurar um linguista, se quiser, e perguntar: tenho certeza que ele vai ter o maior prazer em explicar.

"Magia."
(Image courtesy of marcolm at FreeDigitalPhotos.net)

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Não é Nada

O povo adora compartilhar isso no Facebook: n expressões que as mulheres usam e o que elas realmente querem dizer. E cada vez que uma dessas pérolas dá as caras na minha linha do tempo me bate aquela vergonha alheia, aquela raiva de mulher que faz esse tipo de joguinho e dá má fama à categoria, e de homem que deixa esse tipo de mulher se criar, que se estressa mas depois ri e sacode a cabeça: "Mulher é tudo doida."

Eu juro que não sei que vida é essa que esse povo leva que é tão descomplicada e sem estresse que eles aparentemente ficam entediados e precisam criar complicação onde não tem. Tanta coisa mais divertida pode ser feita no tempo que um perde dizendo o que não sente enquanto o outro tenta decodificar pra descobrir qual era a verdadeira intenção por trás da frase. Gente, se vocês não conseguem pensar em nada mais legal pra fazer com o tempo que economizariam dizendo as coisas de forma direta, você estão fazendo isso MUITO errado.

Bom, não era bem a isso que eu me referia, mas... enfim, ainda é mais divertido do que esses joguinhos.
(Image courtesy of imagerymagestic at FreeDigitalPhotos.net)

Não é nada.

Você está irritada. Com ele, com você mesma, com a vida, não importa. Você está chateada e dá pra perceber, e o namorado vira pra você pergunta: "O que foi?". Nesse momento, você tem duas opções, e preste atenção porque são só duas mesmo. A primeira — e mais eficiente no sentido de resolver o problema que está te irritando — é dizer "Estou irritada / ofendida / magoada / <escolha o seu estresse> com tal ou qual coisa que você fez ou deixou de fazer." Essa estratégia tem várias vantagens, a primeira e mais óbvia sendo o fato de que pode ser que ele não tenha feito ou deixado de fazer de propósito. Na verdade, o mais provável é que não tenha mesmo, porque, se ele faz de propósito coisas que te irritam, minha filha, o que é que você ainda está fazendo ao lado desse psicopata?

"AMOR, ACORDA! ESTÁ NA HORA DE VOCÊ FAZER O MEU CAFÉ DA MANHÃ!"
(Image courtesy of imagerymagestic at FreeDigitalPhotos.net)

Bom, fora essa pessoa que eu espero que tenha parado de ler o blog pra ir terminar com o psicopata, o resto de nós que somos normais pode muito bem explicar para o namorado o que foi que ele fez ou deixou de fazer que nos irritou. Se ele vai mudar de atitude por causa disso? Não sei. Pode ser que sim. Pode ser que ele tenha seus motivos e você é que precise entender. Pode ser que ele não só não mude como ainda se ofenda porque você ficou irritada pelo que ele considera uma trivialidade. O fato é que, ao dizer claramente o que foi que ele fez ou deixou de fazer, você estará economizando um tempo precioso que, caso contrário, seria gasto com ele tentando descobrir, por tentativa e erro, como te desemburrar.

Um tempo que — não custa repetir — poderia ser melhor empregado.
(Image courtesy of stockimages at FreeDigitalPhotos.net)

E ainda há outro motivo muito importante para optar pelo diálogo franco ao invés da estratégia do "não é nada". Na qualidade de pessoa que já esteve do outro lado desse jogo (sim, eles também sabem jogar o jogo do "não é nada"), eu posso garantir que é uma sensação horrível. Você sabe que alguma coisa não está bem, você desconfia que é por sua causa, mas você não faz a menor ideia do que foi que você fez. Você está preso naquela situação ruim e não sabe como sair dela porque, repito, você não sabe o que está acontecendo e ninguém te conta. Não é uma situação na qual você queira colocar uma pessoa de quem você gosta. Se é, sinto muito te dizer, mas a psicopata aqui é você.

"Ah, amor, desculpa: acho que apaguei a sua tese de doutorado. É, o backup também. Oops."
(Image courtesy of marin at FreeDigitalPhotos.net)

A outra opção também aceitável é dizer "não é nada com você, não: foi uma coisa muito chata que aconteceu no trabalho / na reunião de condomínio / no aniversário da minha avó / <escolha o seu problema>, mas eu não estou com vontade de conversar sobre isso agora". E não é preciso dizer que essa resposta só vale se realmente não é nada com ele, né? Como assim, precisa? Ai, ai... Tá bom, então: só vale dizer para o namorado que o problema não é com ele se o problema realmente não for com ele. Está claro, agora? Muito bem.

Você é quem sabe.

Tudo bem, eu sei que homem às vezes é que nem criança e faz uma pergunta cuja resposta já sabe na esperança de que, sei lá, você esteja distraída e dê a resposta que ele quer ouvir. Mas isso não é desculpa pra responder "você é quem sabe" deixando implícita a ameaça, aquele "faz diferente do que eu quero pra você ver o que te acontece". Essa resposta é cretina por dois motivos: primeiro porque ele pode até estar sendo infantil, mas ele não é uma criança e você não é a mãe dele pra ficar fazendo ameaça nem pra colocar ele de castigo se ele não fizer as coisas do jeito que você acha correto. E se você (ou ele) tem alguma dúvida a esse respeito, a sua relação tem problemas bem mais sérios do que seja o que for que ele está querendo fazer e você não quer.

O segundo motivo pelo qual usar essa resposta como arma é uma coisa horrível de se fazer é que às vezes ele realmente não sabe o que você prefere e está tendo consideração o suficiente por você para perguntar. E aí dizer "você é quem sabe" só para preparar uma armadilha e induzi-lo a fazer a escolha "errada" é coisa de quem não tem nada melhor para fazer da vida.

Sério, gente: de quantas sugestões mais vocês precisam?
(Image courtesy of stockimages at FreeDigitalPhotos.net)

A única situação em que "você é quem sabe" é uma resposta aceitável é quando realmente não faz diferença e qualquer coisa que ele escolha está boa pra você. Caso contrário, fala logo o que você quer e para de esperar que ele leia a sua mente.

Esquece.

Se você diz "esquece" e depois se irrita porque ele esqueceu o assunto mesmo, procure ajuda profissional, porque o seu caso é sério. Que tipo de pessoa consegue, com uma frase de uma única palavra, dizer o contrário do que pretendia? Só diga "esquece" se for pra esquecer mesmo; caso contrário diga "vamos dar um tempo nesse assunto e conversar mais sobre isso outra hora, com mais calma", diga "em casa a gente conversa", diga "não vamos discutir isso agora, na frente dos seus amigos", recite a letra inteira e sem cortes de "Faroeste Caboclo", se quiser, só não diga "esquece", não se depois você vai voltar ao assunto quando ele menos esperar e com fúria redobrada. Ou se vai ficar de cara amarrada pelo resto na noite e, quando ele perguntar qual o problema, você vai responder "não é nada".

Se você não vai fazer isso pelo bem do seu namorado e da sua relação, faça isso por todas nós, mulheres normais e (razoavelmente) equilibradas que não aguentamos mais levar a fama por causa da sua esquizofrenia.

E, acredite, nós não temos a mesma paciência que o seu namorado tem com você.
(Image courtesy of marin at FreeDigitalPhotos.net)

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Zombies, Run!

Depois de concluir — em Moscou, pra ser bem cosmopolita — meu treinamento de corrida de 5 Km, passei do aplicativo Zombies, Run! 5K para Zombies, Run! (versão completa). Este, ao contrário da versão 5K, não é um programa de treinamento, mas um jogo mesmo. Segue a mesma história básica do mundo assolado por zumbis em que cada cidadela/fortaleza tem uma equipe de corredores encarregados de sair periodicamente da cidade e vasculhar os arredores em busca de mantimentos, remédios, armas, munição e o que mais puder ser útil para a sobrevivência.

Em missões que duram de trinta minutos a uma hora, dependendo de como o jogo for configurado, o jogador corre usando fones de ouvido e com o GPS do celular ativado enquanto o aplicativo vai marcando o tempo e a distância percorrida e informando os itens que vão sendo encontrados e recolhidos (ao melhor estilo videogame, sem parar nem diminuir o ritmo, em uma única corrida o jogador pode recolher várias latas de mantimentos, armas, garrafas de água, cobertores etc sem ser afetado pelo peso dessa tralha toda).

"Eu? Tô ótimo! Super confortável. Por que?"
(Image courtesy of stockimages at FreeDigitalPhotos.net)

Com o modo "Chases" (perseguições) ativado, de tempos em tempos a música é interrompida pelo temido alerta "Warning: zombies at one hundred meters" (Aviso: zumbis a  cem metros). Nesta hora, é preciso acelerar e aumentar em 20% a velocidade para escapar dos zumbis. Se o jogador conseguir manter esse pique por um minuto, é informado que deixou os zumbis para trás e pode reduzir a velocidade novamente; caso contrário, deixará cair alguns dos itens que está carregando e os zumbis vão se distrair e parar de persegui-lo. Mas esses itens vão fazer falta depois que a corrida terminar, na hora de ampliar a  cidade, construir mais prédios ou fazer melhorias nos prédios existentes. A minha cidade já tem um alojamento, um depósito de armas, uma central de comunicações e uma área de jogos. Atualmente estou juntando material para ampliar a cidade e, assim, ter espaço para um hospital.

Abel Town (https://www.zombiesrungame.com/RaquelPS/base/)

Na semana passada, o mecanismo que controla os portões da cidade emperrou com os portões abertos, tornando impossível fechar os portões enquanto ele não fosse consertado. Todos os corredores da cidade foram convocados a sair e atrair a atenção de qualquer zumbi que se aproximasse da cidade, mantendo-os afastados dos portões. A  Corredora Número 8 e eu (que sou a Número 5, substituindo a Cinco original que morreu um pouco antes da minha chegada na cidade) corremos juntas, e assim eu fiquei sabendo que até agora não descobriram quem comandou o ataque ao helicóptero que me levava para a cidade (o helicóptero foi derrubado por fogo inimigo e só eu sobrevivi) e que nem todo mundo na cidade confia em mim. Como disse a Número 8, eu poderia até mesmo ser a própria pessoa que derrubou o helicóptero me passando por uma sobrevivente, já que ninguém em Abel Town me conhece e o pessoal da minha cidade de origem se recusa a enviar mais gente enquanto não tiverem certeza de que não vai haver mais ataques.

Junto com a música que toca entre um diálogo e outro, essa estória ajuda a distrair do esforço da corrida, já que o objetivo do jogo, além de aprimorar e defender a cidade, é desvendar esse e outros mistérios. Além dos suprimentos, durante a corrida às vezes eu "recolho" também jornais, folhetos e documentos que posso ler depois para ir aprendendo mais sobre a estória do jogo.

E, assim, entre perseguições, mistérios, uma espécie de Simcity pós-apocalíptica e música, tenho feito uma coisa que nunca na vida achei que faria (e muito menos que curtiria): correr 5 Km três vezes por semana.

Eu e esse povo super do bem.
© Moori | Dreamstime.com - Scary Bloody Zombies Waiting For A Prey Photo