sábado, 30 de agosto de 2014

Orgulho de Ser Ovelha

Há alguns dias atrás, uma amiga muito querida postou no Facebook uma foto dela e da sua equipe de trabalho. Acompanhando a foto, tirada às nove horas da manhã, um texto explicando que ela estava trabalhando há 24 horas ininterruptas e que já estava acordada há 30 horas, tendo dormido apenas duas horas na "noite" (dá pra chamar de noite?) anterior. O resto da equipe, aparentemente, estava no mesmo ritmo. Ainda assim, estavam todos sorridentes na foto, marcada com o hashtag #sóosfortes. E os comentários seguiam no mesmo tom: percebia-se o orgulho de ser "forte", "caveira", "guerreiro", e a solidariedade dos amigos que já tinham passado por perrengues semelhantes.

Longe de mim desmerecer a força de vontade e o espírito de luta de quem vira a noite trabalhando no projeto, com ou sem pizza, pausa pra foto no Facebook e apoio do marido/esposa que está em casa dando a janta e o banho das crianças. Só com muita garra mesmo. O que me preocupa é essa tendência de achar que isso é normal. Que faz parte. Os fortes aguentam o tranco; os fracos ficam de mimimi e querem ir para a casa no fim do expediente.

É a terrível confusão que se faz do comum com o normal: comum é uma coisa e normal é outra, e é fundamental não se esquecer disso. Se acontece com frequência, é comum; nem por isso, no entanto, se torna normal. Tratar como normal uma falha grotesca no processo como a que permite que projetos atrasem a ponto de a equipe precisar regularmente trabalhar além do horário, seja no escritório ou em casa, é sancionar a conduta irresponsável de quem assume prazos sem avaliar se é capaz de cumpri-los ou, pior, sabendo perfeitamente bem que não é capaz de cumpri-los sem esse tipo de sacrifício. De quem muda a especificação no meio do caminho e, "inocentemente", acha que isso não afeta o prazo final. E de quem permite que isso aconteça.

E assim a hora extra, que deveria ser a exceção, a solução extraordinária para o contratempo imprevisto, se torna a norma, o comprometimento, o "vestir a camisa". Errados são aqueles pais e mães que teimam em buscar os filhos na escola, maridos e esposas que insistem em jantar juntos, estudantes que se recusam a matar aula, aquela gente egoísta que enche suas noites e seus fins de semana com todo o tipo de atividade não ligada ao trabalho: academia, cinema, teatro, cabeleireiro, supermercado, reunião de condomínio, praia, viagem, futebol.

Quando uma pessoa está em uma situação que não lhe permite fazer pé firme e dizer: "Eu avisei desde o início que não tinha como ficar pronto em três meses; ninguém mandou você se comprometer com o cliente", encarar a situação como um desafio e não como uma atitude desrespeitosa da parte de quem está cobrando o cumprimento do prazo impossível é uma forma de defesa até bastante compreensível. Afinal, se é inevitável, não é melhor encarar a situação de forma positiva? O problema é que esse tipo de pensamento está perigosamente próximo do pensamento da mulher cujo marido não é violento e perigoso, "ele é só muito passional". E essa mulher, como diz uma outra amiga minha, de forma um pouco cínica mas nem por isso menos realista, está a um passo de tornar-se estatística da Lei Maria da Penha.

É muito saudável que os membros da equipe façam piada, riam da própria desgraça e apoiem-se uns aos outros quando estão passando por uma situação difícil. Mas deixa de ser saudável se eles se convencem de que a vida é isso. Que "nessa área em que trabalhamos" é assim mesmo. É "assim mesmo" médico dar plantão. É "assim mesmo" militar ficar de serviço. Mas não é "assim mesmo" nenhum profissional, de qualquer área, trabalhar fora do horário contratado, sem as ferramentas adequadas ou forçado a assumir responsabilidades que não são suas. Por mais comum que seja, não é normal.

Em duas entrevistas de emprego, eu escutei a pergunta "Você tem disponibilidade para fazer hora extra?". Nas duas dei a mesma resposta. Tenho disponibilidade, sim, para fazer hora extra se acontecer algum imprevisto e o prazo for crítico. Se alguém da equipe ficar doente, se o servidor ficar fora do ar na véspera da entrega, se nós, enquanto equipe, subestimarmos a complexidade do projeto e o esforço necessário, conte comigo para ficar até a hora que precisar ou para vir no fim de semana. Mas, se o prazo estimado for x e alguém entregar um cronograma de x - 1 para ganhar a concorrência ou fazer média com a chefia, já contando com a minha hora extra, pode esquecer. Em um dos casos fiquei com o emprego; no outro, não. Se pudesse voltar no tempo, minha resposta permaneceria a mesma.

Encerro este post com uma fábula de Monteiro Lobato que precede aquela historinha de porco (comprometimento) x galinha (envolvimento) que o pessoal adora contar nos workshops motivacionais.

As Razões do Porco

Lá ia para o mercado a carroça dum sitiante. Dentro, três animais: uma cabra, um carneiro e um leitão. Cabra e carneiro seguiam em silêncio, muito sossegados da vida. Já o porquinho, não. Inquieto, a suspirar, volta e meia espiava pelas frestas, cheio de apreensões. E quando avistou o mercado não se conteve: abriu a boca e berrou como se estivessem a sangrá-lo no coração.

— Para que isso? — disse a cabra.  Também eu vou para a feira e no entanto a ninguém incomodo com esse berreiro descompassado.

— Também assim penso — ajuntou o carneiro. — Vamos ser vendidos, quer dizer, vamos mudar de dono. É tolice lamuriar dessa maneira por coisa tão sem importância.

O porquinho berrou ainda mais, e por fim explicou-se:

— É verdade, vamos ser vendidos os três. Mas tu, cabra, teu destino é dar leite; e tu, carneiro, tua função é produzir lã. Compreendo que seja indiferente para ambos que dês leite ou lã a este ou àquele. Mas eu, eu só presto para ser comido, e ir para o mercado não me é apenas mudar de dono mas mudar de mundo. Vou para o açougue, coim coim! Como então quereis que me conforme com a sorte e vá nesse sossego de cabra e nessa indiferença de carneiro? Tivésseis o meu destino e havíeis de berrar ainda mais forte…

E continuou a botar a boca no mundo.

Lembre-se disso quando lhe disserem que o seu esforço e comprometimento estão sendo reconhecidos e serão recompensados.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Kindle e Eu

Comprei um Kindle. Confesso que por muito tempo tive má vontade com o Kindle em particular e com o conceito de ebook de forma genérica. Hoje percebo que essa implicância se devia em grande parte a uma gente que não gosta de ler e que começou a anunciar o fim do livro de papel desde o lançamento do primeiro ebook com uma inexplicável satisfação, como se isso fosse alguma espécie de vitória sobre o povo que adora ler; e assim, de forma igualmente irracional, não aderir aos ebooks se tornou para mim meio que uma questão de honra.

Se esse raciocínio parece não fazer muito sentido, não é sem motivo: é porque não faz sentido nenhum mesmo. Livros são livros em qualquer formato, idioma, tamanho ou cor. E assim, aproveitando um momento em que estou fazendo uma faxina em hábitos e conceitos e descartando várias coisas que não fazem sentido, aproveitei e comprei logo um Kindle.

Ele é mais pesado do que um pocket book, mais leve do que uma edição de capa dura e menor do que qualquer um dos dois. É melhor de se ler em lugares onde a iluminação não é muito boa ou mesmo no escuro, já que tem luz própria (mas não cansa a vista como a tela de um tablet). Não tem todos os livros existentes, já que se restringe aos disponíveis na loja da Amazon (precisei comprar "Em Busca de um Mundo Perdido" em papel), mas, por outro lado, não depende de estoque físico nem de prazos de entrega e fretes cobrados por lojas online. Como os custos são menores, os preços constumam ser mais em conta e há muitos livros gratuitos disponíveis. Acabo de comprar "Memorial de Maria Moura" por R$ 5,50; o Buscapé não encontrou por menos de R$ 13,41.
Parênteses rápido: Por que esse um centavo no preço??? Fecha parênteses.
Não que o livro digital seja mais barato em 100% dos casos: às vezes se encontra uma promoção na livraria e o livro de papel até sai mais barato, mas não vi isso acontecer muitas vezes. Tudo bem que eu não fico pesquisando, mas tenho bastante experiência em comprar livros de papel e sei quanto custam os livros que eu habitualmente compro.

O Kindle pede um tratamento um  tanto mais cuidadoso do que eu normalmente dispensaria a um livro. É bem mais caro que um livro e, pior, pode ser confundido com um tablet, por isso eu não o tiro da bolsa em qualquer lugar. Também é mais frágil: embora eu não ande por aí jogando livros no chão nem os deixe na chuva, no caso do Kindle há uma preocupação maior em não deixá-lo em qualquer lugar onde coisas pesadas possam ser largadas em cima dele, mãozinhas infantis curiosas possam alcançá-lo, respingos de água possam atingi-lo. Isso, no entanto, não tem me impedido de viajar com ele na mochila, usá-lo no metrô e (ocasionalmente) no ônibus nem de tê-lo ao lado do prato enquanto como. Até agora ele sobreviveu e está muito bem de saúde.

E, por falar em viajar, o Kindle é uma coisa ótima de se levar em uma viagem, especialmente em viagens longas, daquelas nas quais seria bom ter mais de um livro à mão mas é necessário restringir a bagagem por questões de peso e espaço. E, se por acaso bater a vontade de ler um outro livro que ainda não tenha sido comprado, é só procurar o ponto de acesso a WiFi mais próximo e comprar e baixar o livro desejado.

Há um lado psicológico que requer uma certa adaptação (pelo menos pra mim, requereu). Justamente por ser menor e mais leve que a maioria dos livros, no começo me dava uma sensação de "cadê o resto do livro?". Eu me sentia como se o livro estivesse nas mãos de outra pessoa que só me entregava uma página de cada vez e sempre tomava de volta a página que eu tinha acabado de ler. Agora já superamos essa fase, meu Kindle e eu, mas no começo me dava um certo nervoso.

A parte à qual eu ainda não me adaptei completamente são as anotações. Nunca fui da turma que considera que escrever em um livro é estragá-lo. Gosto de escrever, sublinhar, destacar com marca-texto e gosto de ler livros que têm a marca dos leitores anteriores. Embora o Kindle tenha as funcionalidades necessárias para destacar trechos dos livros e incluir anotações, ainda não me acostumei a sentir a mesma intimidade que me proporcionava o ato de escrever minhas anotações meio tortas no pé da página. Não sei muito bem explicar o motivo, e ainda estou esperando que essa sensação passe assim como passou o meu estranhamento inicial com o formato. Tenho que me lembrar que eu e o livro de papel tínhamos uma relação longa e feliz que já durava mais de três décadas e que o Kindle precisa de tempo para que eu possa descobrir todas as suas qualidades e defeitos.

Uma qualidade do Kindle que me é muito preciosa (pena que ainda não esteja disponível para todos os livros) é a funcionalidade "X-Ray", muito útil para quando você está lendo um livro com dezenas de personagens e, a certa altura, para e se pergunta: "Peraí, essa tal de Harriet que está sendo mencionada aqui já apareceu antes no começo da estória, quem era mesmo? É a cunhada dela ou a mãe do noivo da filha?" Ou, de repente, é só comigo que isso acontece, sei lá. Mas acontece.

Finalmente, um dos fatores decisivos na minha decisão de comprar um Kindle foi o esgotamento do espaço físico para armazenamento de livros na minha casa. Só no ano passado, entre vendas para sebos e doações para diversas pessoas físicas e instituições de caridade, me desfiz de mais de trezentos livros e ainda tenho mais do que o dobro disso em casa. E não tenho a menor intenção de parar de comprar livros, num ritmo de dois a três livros por mês, enquanto ainda houver quem os escreva e publique. Só que chega uma hora em que não só começa a faltar espaço para tanto livro como também fica difícil encontrar um livro específico quando se precisa dele para pesquisar ou emprestar ou quando se quer relê-lo. E aí, ter um livro e não ser capaz de encontrá-lo quando desejado é o mesmo que não tê-lo. Pior: é não ter o livro, mas também não ter o espaço que ele ocupa no armário, na estante ou, mais recentemente, nas pilhas no chão do quarto.

E assim, voltando àquela faxina de hábitos e conceitos que mencionei no início do post, chega de "ter sem ter". Gosto de livros, mas amo mesmo as estórias que eles contêm, não importa em que formato venham. E o espaço que os invólucros dessas estórias estão liberando ao sair da minha vida pode acolher as coisas novas que estão entrando.

Então, é isso. Comprei um Kindle.


domingo, 24 de agosto de 2014

Caminho Para Santa Rosa de Calamuchita

Neste segundo semestre de 2014 resolvi me desfazer, se não de todos, pelo menos de parte dos 30 Kg que me separam do peso que eu tinha aos 20 anos. Hoje estou comemorando a marca dos 3 Kg eliminados (ou seja, 10% da meta atingida) traçando um paralelo entre esta jornada e uma caminhada do Rio de Janeiro até a cidade de Santa Rosa de Calamuchita, na Argentina, já que o Google Maps estimou a distância entre as duas cidades em 3.011 Km.


Considerando, assim, que cada quilo eliminado corresponde a 100 Km de trajeto percorrido, estou hoje na Rodovia Presidente Dutra, em São Paulo, um pouco depois da cidade de Taubaté.

Não garanto que eu vá chegar a Santa Rosa de Calamuchita, nem mesmo que vá entrar na Argentina, mas, se eu entrar no Paraguai, que é mais ou menos o meio do caminho entre as duas cidades, já vou achar tudo de bom. Embora emagrecer seja ótimo, minhas prioridades nesse momento são baixar o colesterol ruim, que está alto, aumentar o colesterol bom, que está mais baixo do que o desejável, e garantir que a corrida nossa de cada dia não se torne um risco para a saúde dos joelhos, tíbias e coluna vertebral. Diminuir o número do manequim é um bônus muito legal, mas, ainda assim, apenas um bônus, pelo menos por enquanto.

Também não estou com disposição pra sofrer. Diminuí bastante o consumo de várias coisas, especialmente refrigerante, frituras e doces, mas não eliminei nem pretendo eliminar totalmente esses ou outros sabores da minha dieta. Não me importo se isso vai me fazer emagrecer mais devagar do que poderia, desde que me faça feliz. Como eu adoro cozinhar, tenho a vantagem de poder chegar em casa e caprichar no jantar para substituir o pão, o queijo prato e o refrigerante do lanche da noite.

Além disso, escolhi duas atividades físicas que me fazem feliz: corrida e Pilates. Não sei quantas calorias são queimadas em uma corrida ou em uma sessão de Pilates, mas sei que qualquer coisa que eu faça duas ou três vezes por semana tem que ser prazerosa, senão, não dá pé.

Por enquanto, vou caminhando. A estrada é longa, mas Santa Rosa da Calamuchita ainda vai estar lá, não importa quanto tempo leve para eu chegar.

Rodovia Presidente Dutra

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Frango Desfiado ao Molho de Iogurte

Esta receita é minha, inventada hoje. Adoro cozinhar, mas ainda me atrapalho com certas coisas super básicas, por isso vou escrever a receita de maneira que até cozinheiros do meu calibre entendam. Quem se garante mais do que eu na cozinha pode ir pulando as partes óbvias que eu não fico ofendida.

Ingredientes:
  • 200g de filé de peito de frango desfiado
  • 1 pote de iogurte natural (eu sempre uso iogurte desnatado)
  • 1 limão
  • 1 colher (sopa) de orégano
  • 1 colher (café) de alho picado
  • 2 colheres (sopa) de castanha de caju
  • 2 colheres (sopa) de uva passa
  • sal a gosto (tenho horror desse negócio de "a gosto", mas neste caso não atrapalha: daqui a pouco explico)

Antes de começar, três observações sobre os ingredientes:
  1. Se você tiver disposição pra temperar, cozinhar e desfiar o frango, vá em frente. Eu só uso aquele frango desfiado da Rica que já vem temperado, cozido e desfiado.
E nem estou ganhando pra fazer propaganda!
  1. Quanto ao alho, sinta-se à vontade para pegar um dente de alho e picar bem picadinho. Eu compro alho picado e acho ótimo.
Sério, gente, não estou recebendo pra fazer propaganda, não: pode usar a marca que quiser ou picar seu próprio alho. Só quero facilitar a vida dos marinheiros de primeira viagem que às vezes nem sabem que isso existe.
  1. Por último, o "sal a gosto": detesto quando colocam "a gosto" em uma receita (sal a gosto, pimenta a gosto, açúcar a gosto) porque, puxa, eu sei quão salgada (ou apimentada ou doce ou etc) eu quero que a comida fique, mas não sei qual é a quantidade de sal, pimenta, açúcar etc vai dar esse sabor! Me dá pelo menos um valor de referência, né! Neste caso, porém, não tem problema porque o molho pode ir sendo provado à medida que se coloca o sal. Eu, pessoalmente, não coloquei sal nenhum, então recomendo começar daí e, se necessário, ir colocando sal e provando até achar que ficou bom. Depois, não esqueça de anotar quanto você usou para a próxima vez que fizer a receita!

Preparo:
  1. Em uma tigela, misture o iogurte, o suco do limão, o orégano, o alho e o sal.
  2. Coloque um pouco de azeite em uma panela para refogar o frango.
Referência para quem não tem noção do quanto é "um pouco de azeite".
  1. Refogue o frango em fogo alto. Como ele já está cozido mesmo, pode ser até ele dourar ou até você enjoar de ficar mexendo na panela.
  2. Quando você resolver que o frango já está refogado o suficiente (eu levei uns 5 minutos), baixe o fogo para poder continuar com calma, sem medo de queimar a comida.
  3. Acrescente o molho, as castanhas e as passas.
  4. Misture bem.
  5. Está pronto! Pode levar para a mesa com acompanhamento de arroz e salada ou usar como recheio de sanduíche.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Quem Está Certo Não Pode Estar Errado

certo 
cer.to
adj (lat certu) 1 Verdadeiro. 2 Que não tem erro.

Eu fico passada quando vejo alguém criticar outra pessoa dizendo que essa pessoa é "muito certinha". Como assim? Como é que alguém pode ser mais certo do que deveria, chegando ao ponto de isso ser um defeito e não uma qualidade, se "certo" significa justamente "do jeito que deve ser"?

Imagine a cena: você vai ao médico para um exame de rotina e ele diz que você está saudável demais. Recomenda que ganhe uns dez quilos, dê um jeito de aumentar o colesterol, se exponha ao vírus do sarampo, qualquer coisa pra deixar de ser assim tão saudavelzinho. Afinal, é importante ser saudável, mas sem exageros, né?

Quem é que vai ao mecânico pra reclamar que o carro está funcionando bem demais? Fica revoltado porque o seu time ainda não perdeu nenhum jogo nesta temporada? Devolve o prato no restaurante porque a comida está gostosa demais?

"Você tem certeza de que vai ficar melhor com esse tanto de sal?"
(TobyD @ morgueFile

Ninguém faz isso, né? (se faz, para de ler o o blog agora e vai fazer terapia: depois que você tiver alta a gente conversa) Então por que a algumas pessoas incomoda tanto alguém ser correto?

Em tese, todos estamos tentando ser o mais corretos possível; nesse caso, quando alguém é mais correto que a gente, isso é uma ótima notícia! Quer dizer que pode ser difícil, mas dá pra fazer! Né? Bom... depende. Depende se estamos mesmo tentando ser o mais corretos possível ou apenas corretos o suficiente pra não ficar feio. Aí, complica, né? Quem é essa pessoa pra se atrever a ficar melhor na fita do que eu? Eu estava muito bem aqui na média, e aí chega esse ponto fora da curva e faz a média subir.

"Só me faltava essa! Quer dizer que agora, além de escovar os dentes, a gente ainda vai ter que tomar banho todo dia?"
(Stuart Miles @ FreeDigitalPhotos.net)

Fica complicado dizer que não tem nada de mais porque "todo mundo faz" quando, bem ao nosso lado, tem uma pessoa que... não faz. E é ainda pior quando se trata de uma pessoa saudável, equilibrada e de bem com a vida! Que praga, essa gente!

"Daí nós tivemos que comprar cadeiras azuis, mesmo, porque todas as vermelhas acabaram: não tem mais nenhuma pra vender, em lugar nenhum da..."
(jnphoto @ FreeImages)

Claro, eu sei que, quando alguém usa essa expressão "certinho", com ênfase no "inho", o que está, na verdade, querendo dizer é que o outro é enjoado, cheio de manias, metido a ser melhor que todo mundo, obcecado com convenções e detalhes bobos aos quais ninguém dá importância. Só que ao usar, ao invés de tantos termos pejorativos, justamente a palavra que quer dizer o oposto disso, a pessoa se entrega, deixando claro que ela sabe muito bem que o problema não é o outro, o "certinho". Sabe, mas não quer admitir. Porque admitir que o certinho está certo seria... Bom, na verdade seria bem mais fácil do que o raciocínio tortuoso que algumas pessoas usam para provar que o certo é não ser tão certinho.

"Isso não é uma cadeira vermelha, não, senhor: é uma cadeira azul com defeito."
(jnphoto @ FreeImages)

Ninguém tem a obrigação de adotar os valores do outro nem de tentar ser igual a ele. Mas botar defeito no outro só pra não dar o braço a torcer é muito, muito feio.

domingo, 17 de agosto de 2014

O Valor das Coisas Desnecessárias

Presente é bom e todo mundo gosta, seja ele um presente concreto como um objeto oferecido a outra pessoa, ou algo menos palpável como um gesto, uma palavra, um se oferecer para fazer alguma coisa para que o outro não precise fazer.

E é fácil perceber o valor do presente que chega na hora exata em que ele é mais necessário: o dinheiro emprestado na hora do sufoco, a carona salvadora quando a chuva chega de surpresa, a ajuda para carregar um fardo, literal ou metafórico, que está além das nossas forças. Mesmo quem não tem a fineza de sentimentos necessária para sentir gratidão é capaz de experimentar alívio por se ver livre de uma situação difícil ou alegria por alcançar algo que de outra forma não teria conseguido.

A algumas pessoas escapa, no entanto, o valor mais sutil do presente desnecessário. Tão valioso quanto o presente necessário, mas de uma forma diferente. A diferença entre o presente necessário e o presente desnecessário é a diferença entre justiça e bondade. Ceder o lugar no ônibus para a senhora de aparência frágil e carregada de sacolas é justo. Fazer-se de distraído e "não notar" o assento que acabou de vagar, dando a oportunidade para que o rapaz de terno e gravata o ocupe, é bom.

É a diferença entre educação e gentileza. É educado segurar a porta do elevador ao ver que a outra pessoa não vai alcançá-lo a tempo de entrar antes que a porta se feche. Perguntar "pra qual andar você vai?" e apertar o botão para a pessoa que está entrando é totalmente desnecessário e, por isso mesmo, é um gesto gentil. A outra pessoa é perfeitamente capaz de apertar o botão sozinha, mas, deixa, eu faço pra você. Porque sim, só porque sim.

Lavar o prato do outro junto com o seu, parar para tomar um sorvete na volta do almoço e comprar dois, pegar os papéis que estão na impressora e distribuir para seus donos, puxar uma cadeira, abrir uma porta, imprimir uma cópia a mais para outra pessoa, se adiantar e pegar do chão algo que o outro deixou cair são, todos eles, gestos desnecessários. E, justamente por serem desnecessários, não nascem da boa educação, da ética nem de um sentimento de dever, mas apenas da vontade de fazer alguma coisa por outra pessoa.

É essencial ser educado e é essencial ser justo. É a base de tudo e, sem isso, todo o resto perde o valor. Mas entre as pessoas educadas e justas se destacam, decididamente, aquelas que são também boas e gentis.

(Image courtesy of snickup @ FreeImages)

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Bolsa de Mulher

Arrumando minha bolsa, hoje, descobri que carrego comigo:
  • celular
  • óculos de leitura
  • óculos de sol
  • guarda-chuva
  • maquiagem (porque saí de casa com pressa hoje e deixei pra me maquiar no trabalho.)
  • fatura do cartão de crédito (paga)
  • fatura de cartão de loja (paga)
  • boleto do plano de saúde (pago)
  • este papelzinho (O que será este papelzinho, gente? Será que veio com a bolsa?)

  • Kindle
  • fatura do cartão de crédito da minha mãe pra lembrar do dinheiro que tenho que transferir pra ela (já transferi)
  • chaves de casa
  • pen drive
  • carteira
  • porta-níquel
  • outro papelzinho igual àquele primeiro!
  • remédio pra dor de cabeça
  • analgésico/antitérmico
  • folheto de propaganda de um restaurante no Centro
  • gancho pra pendurar a bolsa na mesa
  • alicate de cutícula
  • pinça
  • agulha e linha
  • espelho
  • antiséptico bucal
  • escova de dente
  • pasta de dente
  • desodorante
  • dois batons
  • perfume
  • itoken do banco (à toa, porque a bateria já acabou)
  • cupom fiscal da última vez que fui ao salão (joguei fora)
  • cupom fiscal de uma farmácia lá perto de casa (joguei fora também)
  • cupom fiscal de uma lanchonete que fica na estação do metrô (joguei fora também)
  • 2ª via do comprovante do cartão do ticket refeição (jogueizíssima foríssima, não peço mais o comprovante desde que instalei o aplicativo do cartão no celular)
  • boleto vencido de recarga do Bilhete Único (já fiz a recarga no terminal)
  • boleto vencido de compra de créditos na UOL Megastore (tenho que comprar de novo)
  • fatura de cartão de loja do mês passado (já paguei)
  • pedido de exame (já fiz)
  • umas tabelas de preço que o corretor me deu quando eu estava mudando de plano de saúde (em janeiro!)
  • proposta de adesão a seguro de vida e acidentes pessoais
  • muito cabelo (eu não sei se me surpreende mais o fato de o meu cabelo cair tanto ou o fato de ele conseguir cair dentro da minha bolsa...)

É só isso. Só queria compartilhar este momento.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Levando Caixote

Levar caixote. Não sei se em outras cidades se usa essa expressão. Provavelmente não, mas não vou pesquisar agora. Levar caixote, pra quem não sabe, é ser derrubado pela onda, e geralmente envolve muita areia no cabelo e muita água do mar goela abaixo.

A onda vem. Às vezes você quer furar a onda. Às vezes você quer pular a onda. Às vezes você olha pra ela e já sabe que aquilo não vai dar certo, mas sabe também que não vai dar tempo de sair do caminho dela a tempo, então você fica onde está e entrega pra Deus. Seja qual for o motivo, o fato é que a onda vem e você está lá e às vezes você fura a onda e sai bonito do outro lado, às vezes você pula a onda e é quase como voar e às vezes, bom, às vezes você leva um caixote.

E que fique claro pra quem nunca levou um caixote na vida que é impossível levar um caixote com dignidade. Não importa se a onda é mais forte do que você ou se te pegou desprevenido, o fato é que ela veio com tudo e vai te jogar pra tudo quanto é lado e esfregar muito a sua cara na areia antes de você conseguir ficar em pé de novo. Talvez o mais humilhante seja o fato de que a onda nem está fazendo isso de propósito, nem tem nada contra você: ela simplesmente está passando e não está nem aí se você se meteu no caminho dela sem saber o que estava fazendo.

A vida às vezes também dá caixote na gente. Igualzinho à onda. Não importa se o seu objetivo é surfar, furar onda, pular onda ou molhar o pé na beirinha: se você entrou no mar, é fato que, mais cedo ou mais tarde, vai levar um caixote. Talvez mais de uma vez. Talvez muitas vezes. Provavelmente muitas vezes.

Nem por isso a gente deixa de entrar na água. Em primeiro lugar, porque quando a onda colabora e a gente não faz nenhuma bobagem e dá tudo certo é bom demais. Em segundo lugar porque a praia é a combinação da areia e do mar e ninguém vai querer viver só metade da praia. Ou da vida.

Mas, com o tempo, a gente aprende a avaliar melhor as ondas. A reconhecer aquela que dá pra furar, aquela que dá pra pular e aquela da qual dá pra correr. Aprende até a reconhecer aquela que vai dar um caixote, mesmo, e não há nada que a gente possa fazer a respeito. E aprende o que eu considero a lição mais importante (e mais difícil) de todas: a não lutar contra o caixote. A gente faz tudo o que pode pra evitar o caixote, mas se a onda já te pegou e está te sacudindo de um lado pro outro feito um cachorro brincando com uma bola de borracha, assume o caixote, procura não engolir muita água e espera a onda passar.

Porque ela vai passar. Como eu disse, a onda não tem nada contra você: ela está só passando e você estava no caminho. E se você conseguir não entrar em pânico nem se afogar nesse meio tempo, ela vai passar e depois vai ser mais fácil se situar e saber qual lado é pra cima e qual lado é pra baixo, colocar os pés no chão e a cabeça pra fora d'água.

E aí você tira o cabelo da cara, se certifica de que não perdeu nenhuma peça de roupa enquanto era levado aos trambolhões pelo caixote e olha pra frente de novo porque lá vem outra onda e essa é capaz de dar pra furar.

(By kovik @ FreeImages)

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Eu Acho Que Vi um Gatinho

Como já se passou bastante tempo, acho que já dá pra contar a história do gatinho sem queimar o filme de ninguém. Esta é uma história 100% verdadeira, que aconteceu em uma instituição na qual eu trabalhei, cujo nome será omitido para preservar os envolvidos.

Nesta época eu trabalhava para uma empresa de desenvolvimento de software. Meu trabalho, porém, não era executado dentro da empresa, e sim dentro da empresa do cliente. E que conste, para dar o clima da história, que a empresa do cliente é uma instituição conhecida por sua formalidade e senso de hierarquia.

Eu tinha um mês de casa quando o episódio do gatinho ocorreu. Eu e outra colega (essa, coitada, admitida há uma semana, apenas) tínhamos acabado de escovar os dentes na volta do almoço e nos preparávamos para voltar para nossa sala quando, ao abrirmos a porta do banheiro, eis que entrou correndo uma outra colega de trabalho carregando nos braços alguma coisa embrulhada em um casaco.

"Fecha a porta, fecha a porta!" ela pediu com urgência e nós, surpresas, obedecemos.

Só então ela revelou que, aconchegado nas dobras do casaco, tinha contrabandeado para dentro da empresa do cliente... um gatinho. O bichinho, coitado, parecia ainda mais perplexo do que nós duas: nem miava, de tão atarantado.

Nossa colega explicou, então, que tinha encontrado o gatinho quando voltava, ela própria, do almoço, escondido no estacionamento e em vias de ser atropelado por um carro que saía. Resgatou o bichinho, mas não podia levá-lo para casa ainda, pois tinha uma reunião dali a pouco. A solução mais lógica que lhe ocorreu, então, foi aquela: levar um gato para dentro da empresa do cliente e deixá-lo escondido em algum lugar até o fim da reunião, quando então ela pediria licença para sair mais cedo e iria para casa com ele.

Até aqui, tudo bem, né? Plano sólido, à prova de falhas.

Começaram então as providências para acomodar o gatinho enquanto a reunião não terminasse. Uma terceira colega de trabalho, enviada à procura de uma caixa, voltou com uma cesta de lixo vazia, dessas pequenas que ficam ao lado da mesa do escritório. O gatinho foi devidamente instalado lá e a cesta, devolvida à sua localização original, ao lado da mesa da nossa colega resgatadora de gatinhos. Esta, por sua vez, colocou o seu manto de invisibilidade casaco dobrado em cima da cesta de lixo, meio que tampando a cesta para que quem passasse por lá não notasse o bichinho lá dentro. E aí virou-se para aquela primeira colega de trabalho, a tal que só tinha uma semana de casa, e colocou na mão da pobre um pacote de ração para gatos com a recomendação de, caso o gatinho miasse, dar-lhe um pouco de ração para acalmá-lo.

Todo mundo está visualizando a cena? A pessoa tirando um pacote de ração para gatos de dentro da bolsa no meio do expediente? Pois é.

Eu questionei: "Mas você não disse que encontrou o gatinho na volta do almoço, já dentro do estacionamento da empresa?"

E a resposta dela: "Eu sempre carrego um pacote de ração comigo, para alguma eventualidade." E eu aqui, me achando muito prevenida porque sempre tenho um alicate de cutícula na bolsa.

Enfim, lá se foi ela para a tal reunião. Na sala, ficamos: eu, a colega encarregada de alimentar o gato, os programadores, que não sabiam de nada, e pelo menos uma meia dúzia de clientes. E aqui vocês precisam entender que aquela sala tinha dias em que era um verdadeiro mercado persa: uma falação, telefone tocando, um tal de gente indo de lá pra cá, arrastando cadeira, batendo porta, que só com fone de ouvido pra conseguir se concentrar no trabalho. Neste dia, porém, parece que todo mundo estava se sentindo super zen: a sala estava tão sossegada que dava para ouvir até o tec-tec dos teclados.

Até o primeiro miado. Baixinho, né, porque o gatinho era realmente bem pequenininho e estava, muito justificadamente, ressabiado: foi mais uma tentativa de miado, mas, na sala silenciosa, bastou para fazer algumas cabeças se levantarem. Quando o ruído não se repetiu e ninguém enxergou nada de anormal, no entanto, quem tinha levantado a cabeça voltou novamente a atenção para o trabalho e o sossego voltou.

Até o segundo miado. Mais alto, agora, porque o gatinho já devia estar começando a ficar aflito. Novamente, algumas pessoas ergueram a cabeça, outras olharam em volta. Mais tarde me disseram que, do lado do cliente (a maioria deles ficava meio afastada do resto de nós), uma pessoa comentou com outra, achando que fosse brincadeira dos programadores: "Eles imitam direitinho, né?".

A essa altura, a colega que tinha ficado encarregada (leia-se: tinha ficado sem jeito de recusar) da ração do gato levantou-se, muito sem graça, atravessou a sala e colocou um pouquinho de ração na cesta de lixo junto com o gatinho da forma mais discreta possível.

O problema é que despejar o conteúdo de um pacote de ração para gatos em uma cesta de lixo no meio de um escritório cheio de gente é uma coisa que, por definição, não é discreta. Na mesa bem ao lado da nossa se sentava justamente uma funcionária do cliente que, observando aquela cena, não teve como não perguntar o que ela estava fazendo. E a minha colega, que não tinha tido tempo de pensar uma mentira convincente ("É uma tradição minha, uma simpatia pro projeto ser bem-sucedido."), contou toda a história do resgate do gatinho.

Agora, ponham-se no lugar dessa pobre alma, cujo cargo situava-se na base da cadeia alimentar naquela sala. Sendo, ao contrário dos demais envolvidos, um ser humano são, ela sabia que era só uma questão de tempo até que toda a sala soubesse da presença do felino clandestino. E que, caso ela não se adiantasse e comunicasse o fato a alguém, seria cúmplice involuntária daquela trapalhada.

Assim, ela se levantou, foi até a mesa do superior mais próximo e passou o pepino adiante. Superior este que, obviamente, achou que ela estivesse de brincadeira, até que ela o levou até a cesta de lixo para ver com seus próprios olhos. Esta pessoa então deu meia-volta e buscou outra, que veio também com a mesma cara de incredulidade até espiar dentro da cesta e dar de cara com o gatinho que, a essa altura do campeonato, já devia achar que estava em um episódio de "Além da Imaginação" felino. Quando já tinha uns quatro parados em volta da cesta de lixo, todos olhando para dentro da cesta e coçando a cabeça, algum deles resolveu que aquilo decididamente não estava na descrição do seu cargo e foi buscar o chefe.

Infelizmente, eu não sei o que se passou quando o chefe deles marchou sala de reunião adentro e tirou o meu chefe de lá para prestar contas do episódio. Só sei que a colega resgatadora de gatinhos foi mandada para casa com seu amiguinho peludo e, pasmem vocês, não foi demitida, o que só prova que nessa área de TI só tem doido.

Menos eu, claro. Eu sou normal.

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